sexta-feira, 14 de maio de 2010

A Contradição Humana - Ricardo Lindemann

"Errarre humanum est" (Errar é humano) é um provérbio latino tão antigo que sua origem já é desconhecida; contudo, o seu conteúdo parece cada vez mais atual. Estamos já acostumados, a conviver com os erros humanos ou, em outras palavras, com as contradições dos seres humanos. Os filósofos, desde tempos imemoriais, bem como todas as religiões do mundo, falam da fraternidade e da paz; no entanto, alem das absurdas guerras entre grupos religiosos fanáticos, corre-se o risco de uma guerra atômica que exterminaria a raça humana. Avalia-se em um milhão de dólares por minuto o gasto na produção de novas armas nesse planeta, sem levar-se em consideração o custo de manutenção dos exércitos, as fortunas que nutrem o tráfico de entorpecentes e outras formas de degradação. Enquanto isso, diariamente, morrem quarenta mil crianças de problemas derivados da subnutrição no mundo em desenvolvimento; sem falar nas mortes não menos estúpidas dos suicidas dos países desenvolvidos ou das decorrentes de guerras e atos terroristas que pretendem buscar a paz e o bem estar da Humanidade através de qualquer meio. Por que falamos tanto em amor e paz e vivemos nesta violência impressionante?

Sabe-se que hoje seria possível resolver os problemas da fome, saúde e educação do gênero humano somente com os recursos há pouco citados, de forma que se torna difícil justificar tanta miséria. Entretanto, enquanto os sistemas de direita e esquerda justificam-se reciprocamente no "empilhamento" de bombas, e os terroristas ficam a justificar sua covardia com ideais de justiças, o mundo agoniza. Não é tudo isso incrivelmente contraditório?

É também conhecido o fascínio que o ser humano tem pelo poder e as mórbidas "necessidades" daí decorrentes. Talvez seja mesmo a vaidade e o anseio pelo poder que criem todo esse cruel panorama no mundo. Curiosamente, essa "necessidade" de impor a sua vontade e exercer o poder sobre os outros apresenta-se de modo geral, diretamente proporcional à incapacidade de o ser humano dorminar-se a si mesmo. Pode haver maior contradição? O ideal da filosofia platônica já era, como teria colocado Sócrates, que o homem se tornasse "senhor de si mesmo" após ter conhecido a si próprio; enquanto no Oriente, Buda, quase na mesma época, dizia que "mais glorioso não é quem vence em batalhas milhares de homens, mas sim quem a si mesmo vence".

A Sra. Rada Burnier, conhecida conferencista, Presidenta Internacional da Sociedade Teosófica, tem afirmado que: "Não se pode perguntar agora se a paz mundial é uma possibilidade, pois ela é uma absoluta necessidade. Sem fraternidade, cooperação e paz, a Humanidade pode cessar de existir".

Enquanto isso, a Ciência e a Tecnologia, lastimavelmente atreladas a interesses políticos, estão hoje a construir bombas atômicas tão poderosas que fazem daquela que destruiu Hiroshima, há quarenta anos atrás, um brinquedo para crianças. Dessa forma, torna-se fácil ver que, quanto mais poder o ser humano tiver antes de resolver a sua contradição, tanto pior será para a vida neste planeta: e a solução da contradição do homem encontra-se dentro dele mesmo e não fora. É porque o homem não é "senhor de si mesmo" que ele se torna perigoso. Seu conflito interior, sua contradição expressam-se em tudo que ele faz.

Quanto mais conhecimento e poder dermos ao homem, tanto pior será, não porque o conhecimento e o poder sejam deletérios em si, mas porque o homem, estando perturbado, em contradição devido à falta de autoconhecimento, não pode ter autodomínio. E não é um tanto quanto temerário dar-se poder a quem não possui autodomínio? Nossa civilização tem subestimado o autoconhecimento, considerando-o coisa de pouco valor prático, e os resultados são bem visíveis e práticos: estamos à mercê dos caprichos e infantilidades de seres humanos contraditórios e imaturos.

Por que homens como Sócratres e Buda, já há tanto tempo, consideravam o autoconhecimento como fundamental? Iniciemos nossa investigação analisando o problema do hábito. O que é um hábito? Para tentar responder, consideremos como funciona o cérebro. Cada pensamento, de acordo com sua característica, aciona uma corrente elétrica num circuito específico de neurônios cerebrais. Isso ativa aqueles neurônios daquele circuito. A reincidência nesse mesmo pensamento ativa os mesmos neurônios em detrimento, relativamente, da grande maioria que são os outros. Assim, a repetição da mesma corrente elétrica através do mesmo circuito de neurônios cria uma situação que favorece cada vez mais a repetição de todo processo.

Por esse motivo, o pensamento, a emoção e a ação são processos produtores de hábitos. Isso pode tornar-se bem mais evidente se nos lembrarmos de que o neurônio é uma célula viva e, portanto, particularmente mais sensível à repetição dos estímulos do que um simples circuito elétrico, que é inerte. Caso nós nos aprofundemos nessa questão, descobriremos, talvez com espanto, que características de nossa personalidade, com as quais nos identificávamos como sendo "nós mesmos", não passam de hábitos: reações "mecânicas" do nosso passado. São condicionamentos com os quais nossa consciência se identificou. Desta forma, estaremos começando a descobrir quão pouco nós conhecemos de nossa real natureza.

Um exemplo disso está no desconhecimento que costumamos ter a respeito das emoções que se manifestam em nós. Todos nós sabemos, por experiência própria, quão perturbadora é a emoção do ódio e quão harmonizante pode ser o amor, quando genuíno. Entretanto, será que todos somos conscientes da razão por que isso é assim? Recomendamos que o leitor investigue essa questão. Embora ela pareça simples, pode, sendo suficientemente aprofundada, levar-nos à própria essência do ser humano, que só pode ser conhecida de maneira direta por uma investigação atenta e profunda na consciência do próprio indivíduo.

É comum ver-se o ser humano fugir das questões que exigem profunda atenção, porque é mais fácil receber ensinamentos prontos e repeti-los como até um papagaio pode fazer; mas o autoconhecimento não pode ser fornecido por terceiros: ele só pode ser fruto de nossa própria investigação. Porem, pode ser de alguma utilidade fazer algumas considerações introdutórias sobre o tema, mas que, evidentemente, não podem jamais substituir a auto-investigação.

Pode-se observar que a pessoa humana é constituída de diversas "vontades" que, não raramente, se contradizem, por exemplo, quando estamos assistindo a uma filme ou a uma novela na televisão que nos empolga, gerando emoções que sentimos vivamente, pode surgir um conflito entre a vontade da sensação, que quer continuar assistindo ao filme, e um eventual apelo do corpo por descanso, que se manifesta por meio de uma crescente sensação de "peso" nas pálpebras. A fome, a sede etc. Podem gerar conflitos similares. Isso demonstra de maneira bastante prática que a vontade do corpo e a da sensação nem sempre coincidem, e não é raro observar as pessoas levarem seu corpo a excessos, devido a sua paixão momentânea despertada por alguma sensação.

Ora, fôssemos o corpo, nossa vontade sempre se identificaria com a vontade dele e jamais ocorreria conflitos ou excessos, pelo menos no que tange à saúde física e estaríamos, antes de mais nada, preocupados com nossa saúde física. Como costuma dizer o Eng. J. Lutzenberger, ecologista internacionalmente conhecido, se fôssemos verdadeiramente materialistas, estaríamos, antes de mais nada, preocupados com nossa saúde física e com a conservação ecológica do meio ambiente; entretanto, nossa "civilização" não tem demonstrado isso. A grande massa da Humanidade tem estado preocupada com a sensação, mesmo que isso tenha acarretado perda de saúde, acionado a ambição, causado guerras e desastres ecológicos. Se um indivíduo, ao dizer-se materialista, e assim, identificando-se com seu corpo físico, age dessa maneira, não é isso profundamente contraditório?

É curioso notar que a vontade da sensação e a emotividade, às vezes, desvia a vontade que quer concentrar a mente, como, por exemplo, quando queremos resolver um problema de matemática ou fixar a mente no trabalho que estamos tentando realizar e a emoção nos desvia, o pensar para questões afetivas, namorada, esposa, filhos etc., ou talvez ainda surja uma fome estranha justo nesse instante, e, então, a vontade do corpo começa a lutar contra a vontade que quer concentrar a mente.

Platão, no século IV a. C., já havia dividido a alma do homem em três partes eram, conforme encontramos em A República: a apetitiva (sede dos desejos de sensações e de ganhos), a arrogante ou irascível (sede da coragem e busca do poder e fama) e a inteligível (sede da razão ou compreensão e a busca da verdade). Se somarmos a isso a preguiça e busca de conflitos do corpo físico, já teremos uma noção intelectual da complexidade do homem e da grande possibilidade de conflitos e suas "vontades".

Ainda mais antigo, o Katha Upanishad da tradição hindu nos diz: "Saiba que o ser é o passageiro e o corpo, a carruagem; que o intelecto é ococheiro e a mente, as rédeas". "Os sentidos, diz o Sábio, são os cavalos, as estradas que percorrem são os labirintos do desejo".

Nessa bela alegoria oriental podemos observar que, pelo menos, o cocheiro (o intelecto - veículo do pensamento concreto - alma arrogante) e os cavalos (os sentidos - "instrumentos" das sensações - alma apetitiva) são seres que têm vida própria, ou vontade própria, independente da vontade do passageiro (o Ser - o Eu Superior - a alma inteligível, causa do pensamento abstrato).

Pode-se tentar compreender essa idéia oriental de que o pensamento e a emoção ou sensação têm vontade ou vida própria se nos lembrarmos de que o cérebro, por onde eles transitam quando estamos em consciência de vigília, é constituído de células vivas chamadas neurônios cerebrais. Até a memória tem relação com regiões do cérebro. Logo, como já vimos, cada pensamento, emoção ou ação são um estímulo que produz certa impressão nos neurônios, gerando hábitos. Essas tendências ou hábitos assim gerados fazem com que os efeitos desses pensamentos, emoções e ações permaneçam conosco como impressões (chamadas de Samskaras pelos yogues orientais) por um tempo proporcional à intensidade e ao número de reincidências dos mesmos.

Em seu comentário sobre os Yoga-Sutras de Patanjali, o tratado milenar da Raja Yoga, o doutor I. K. Taimni nos diz "que o homem comum, vivendo no mundo, está sujeito ao longo de todo o dia a todos os tipos de impactos e ele reage a esses impactos de acordo com seus hábitos, preconceitos, educação ou humor do momento, de acordo com sua natureza, como nós costumamos dizer.

Essas reações envolvem, na maioria dos casos, maiores ou menores perturbações da mente, dificilmente existindo qualquer reação que não seja acompanhada por uma agitação dos sentimentos ou da mente. A perturbação de um impacto dificilmente teve tempo de cessar antes que outro impacto tire-a do equilíbrio novamente. Às vezes, a mente dá a impressão de estar aparentemente calma, mas essa calma é apenas superficial. Sob a superficie, há uma corrente submersa de perturbação, como o marulho num mar superficialmente calmo.

Essa condição da mente, que não precisa ser necessariamente desagradável e que é tomada como natural pela maioria das pessoas, não conduz, em absoluto à unidade de propósito e, enquanto ela dura, resulta necessariamente em Vikshepa: a forte tendência da mente de estar voltada para o exterior".

É essa a razão porque parece difícil ao homem comum o autoconhecimento: a própria agitação de sua mente revolve o fundo, tornando impossível a percepção nítida das zonas mais profundas. Por isso, a Yoga busca, em primeiro lugar, serenar a mente, para que seja possível ao homem decantar as impurezas do fundo, tornando assim límpida a percepção, nas profundezas de si mesmo, da sua real natureza.

Nessa busca de serenar a mente, é indispensável a atenta observação. Pode-se descobrir que há emoções, ou estados mentais, que poderíamos classificar como pesados, em contraposição a outros mais leves que não aprisionam a nossa consciência. Tomemos como exemplo a depressão. Sabidamente ela é uma emoção pesada, porque, uma vez estabelecida, é de difícil remoção. Em quanto ela perdura, a consciência sente-se perturbada e aprisionada, porque a depressão é uma emoção que entra em dissonância com a nossa real natureza, impedindo que nosso Ser encontre possibilidade de expressar-se. Em contrapartida, quando sentimos a emoção leve da alegria, o nosso Ser consegue expressar pelo menos algo de sua natureza real e, por isso, a felicidade flui de dentro para fora sem obstáculo: a consciência sente-se livre.

Como vimos que as emoções e os pensamentos são decorrentes de hábitos, e como vimos que há estados pesados e leves, surge a idéia de transformar nossos hábitos emocionais e mentais. Essa arte de transformação dos estados psicológicos era conhecida entre os antigos como meditação e visava a libertação da consciência.

Uma das técnicas mais elementares de meditação é a da substituição. Está baseada no fato de que a mente só se ocupa com um pensamento de cada vez, de modo que a melhor maneira de se livrar de uma emoção pesada é substituí-la por uma leve. Um lama tibetano deu, certa vez, a seguinte instrução a seu discípulo:

"Nunca te permitas sentir triste ou deprimido. A depressão é má, porque contamina os outros e torna as suas vidas mais difíceis, o que não tens o direito de fazer. Portanto, sempre que ela vier a ti, rechaça-a imediatamente".

"Deves ainda controlar o teu pensamento de outro modo: não deves deixá-lo vaguear. Fixa o teu pensamento no que quer que estejas fazendo, para que possa ser feito com perfeição, não deixes tua mente ociosa, mas mantém sempre nela bons pensamentos em reserva, prontos a avançar no momento em que ela estiver livre". A linguagem simples da citação acima esconde uma série de leis que regem o mundo da mente; aconselhamos o leitor a descobri-las. Comentaremos algo sobre uma delas, que está relacionada com a expressão "rechaça-a imediatamente". Se observarmos, poderemos descobrir que as emoções nutrem-se das imagens mentais: os pensamentos. Por isso, a maneira correta de adquirir autodomínio sem acumular repressões inconscientes é dirigir a energia do pensamento para estados leves, pois assim, por falta de nutrientes, os estados pesados gradualmente perderão sua força. Isso acontece automaticamente mesmo que não estejamos conscientes do processo.

A emoção, o querer, nutre-se do pensar de maneira semelhante ao fogo. Se deixarmos cair um palito de fósforo aceso num tapete é fácil apagá-lo: basta um rápido movimento do nosso pé e o fogo estará extinto. Entretanto, se, por desatenção ou ignorância, deixa-mos passar uns poucos instantes, perderemos rapidamente o domínio da situação e em menos de cinco minutos teremos um incêndio. Muitos morreram por terem dormido com um cigarro aceso.

De maneira muito semelhante, como dizemos, é a emoção nutrida pelo pensamento. É fácil controlar qualquer estado emocional em seus momentos iniciais; entretanto, costuma ser difícil libertar a consciência de emoções pesadas depois dos poucos minutos que elas necessitam para se fortalecer e se estabelecer. Há pessoas que se deixam envolver tanto nesses estados lamentáveis de ódio, tendências suicidas, etc., que perdem completamente o controle. Diz um provérbio chinês: "Um momento de paciência pode evitar um grande desastre; um momento de impaciência pode arruinar toda a vida".

Afora o aspecto consciente da perturbação, existem os aspectos subconscientes. Diz-nos o Dr. I. K. Taimni: "Uma vez que uma perturbação tenha sido permitida, toma muito mais energia para ser superada completamente, e, mesmo que externamente ela possa desaparecer rapidamente, a perturbação interior subconsciente persiste por um longo tempo".

Pode-se acrescentar que ela tentará retornar ao plano consciente para poder nutrir-se novamente. Por isso, se nós estivermos sempre a observar vigilantes os movimentos da mente, de momento a momento, pode-se adquirir de modo gradual um domínio de nossos estados psicológicos. Faz-se isso usando a dispersão usual do pensamento a nosso favor, substituindo-os prontamente sempre que necessário.

No caso da depressão, por exemplo, quando percebemos que pensamento está querendo trilhar os labirintos dos nossos problemas sem solução à vista, e que são os que usualmente nos deprimem, chamemos prontamente à nossa atenção os nossos "bons pensamentos em reserva", substituindo, assim, os anteriores que nos conduziriam aos estados pesados. São técnicas elementares, se comparadas a outras mais avançadas, porém são eficazes e precisamos dominá-las antes de poder usar as outras comsegurança.

Outra técnica é a desidentificação ou plena atenção; esta, porém, costuma exigir uma mente já mais desperta e menos apegada às suas projeções. Para que o tema não fique muito abstrato, citaremos um exemplo que já utilizamos noutra ocasião:

"Suponhamos que nós estamos assistindo à televisão ou a um filme no cinema. O filme é real ou irreal? Supõe-se que pelo menos os adultos saibam que o filme é irreal, fictício. Mas mesmo assim sendo, pergunta-se: ele produz ou não produz emoção? Bem, somente quando nos sentimos envolvidos, identificados, não é verdade? Apesar disso, como é possível uma coisa ilusória produzir em nós um efeito tão real? Pois tal é o poder da identificação! Em verdade, todo sofrimento psicológico é fictício. Meditação é tomar consciência disso. O sofrimento físico, como ter um espinho no pé, é muito diferente, porque ele é objetivo. O espinho é objetivo; enquanto ele estiver lá, a dor não passará, mas se ele for retirado ela passará, cessada a causa, cessa o efeito. Mas o sofrimento psicológico é subjetivo. Quem cria e nutre o sofrimento psicológico? A própria mente, nada mais! Ele pode durar uma eternidade, porém ele nem mesmo precisa começar, se nós não o criarmos."

"Todo depende apenas de quão identificados estamos. Pode-se então, notar quão intenso que é o poder da identificação? Da mesma forma, quando assistimos a um programa na televisão, tendemos a nos identificar com o personagem e a torcer por ele, de modo que aquilo que agrada ou desagrada ao personagem passa a agradar ou desagradar a nós, embora essas atrações e repulsões sejam essencialmente subjetivas. Dessa forma, nós podemos ser alegres ou tristes, rir ou chorar perante uma tela de televisão mesmo quando no fundo sabemos que o filme é fictício, ilusório e transitório. A qualquer momento em que o homem lembra que ele não é o personagem , nesse momento, ele está livre. Se ele perde novamente esse estado de consciência enredar-se na ilusão e voltar a sofrer é de sua escolha, mas pode ocorrer. Por isso a verdade precisa sempre ser reencontrada de momento a momento , mas também por isso ela se apresenta sempre nova, apesar de ser um reencontro... A liberdade existe toda vez que há essa ausência de apego ao eu ou à auto-imagem que criamos, aos nossos gostos e desgostos."

Em verdade, as projeções da mente são como um pesadelo: só parecem ter realidade enquanto nós nos identificamos com elas. A técnica de substituição nos ensina que nunca devemos tentar lutar contra uma emoção, porque, ao preocuparmo-nos com ela, reforçamos o pensamento que a nutre, tornando-a ainda mais forte, mecanismo tipicamente repressivo que deve ser evitado. Antes de vermos aprender a "mudar o canal" de nossa "televisão mental" pensando noutra coisa, ou seja, em algum pensamento que nutra uma emoção leve, ou se possível, no pensamento ou ponto de vista oposto. Assim , sugere os Yoga-Sutras: "Quando a mente é perturbada por pensamentos impróprios, a constante ponderação sobre os opostos é o remédio".

Já a técnica de desidentificação ou plena atenção é muito mais profunda e libertadora porque nos permite observar e compreender o movimento da mente e do desejo. Contudo, ela exige uma mente já mais trabalhada e desapegada de suas projeções porque se a pessoa, ao observar essas projeções ou imagens, mentais, fica identificada com suas emoções, isso poderá ser perigoso, à medida que a pessoa poderá vir a reforçá-las ao invés de desidentificar-se delas. Nesse caso, precisaremos voltar à técnica de substituição para evitar qualquer risco, porque a mente ainda não está suficientemente preparada para a desidentificação.

É extremamente perigoso manipular energias sutis visando despertar poderes psíquicos por meio de práticas de Yoga ainda mais avançadas sem antes ter adquirido o completo domínio de nossos estados psicológicos, que deveria ser adquirido pelo uso perseverante de técnicas simples, eficazes e seguras, caso contrário, a pessoa poderá enveredar-se pelo caminho da auto-ilusão, despertando prematuramente energias que darão mais força aos desequilíbrios já existentes, o que será triste, inclusive, para aqueles que a cercam. Quando a pessoa está pronta, preencheu os pré-requisitos, o caminho aparece; não antes. O caminho é do autoconhecimento, e ele começa pela observação atenta dos movimentos de nossa mente de momento a momento. Assim, pela prática da meditação, a mente principia a serenar. Então, começa-se a ver o valor real de cada ser ou coisa: nossas relações com o que nos cerca.

Enquanto buscamos nosso preenchimento exteriormente, deparamo-nos com as imagens desses seres ou coisas que nossos sentidos projetam em nossa mente e costumamos atribuir a eles valores ou expectativas de preenchimento segundo nossa ótica pessoal.

Quando atribuímos a algo um valor maior que o real, nós nos frustramos, desiludimo-nos cedo ou tarde, pois, alcançando esse ser ou objeto, terminamos por descobrir que seu verdadeiro valor era menor do que pensávamos. Essa desilusão será inevitável, uma vez que ele não poderá responder ao nosso apelo, segundo nossa expectativa, porque ela ultrapassa as suas possibilidades reais de resposta. Entretanto, poderemos perder muito tempo até alcançar o valor de nossa ilusão. Então, começaremos a buscar outro alvo, pois aquele nos desiludiu. Por outro lado, podemos nos sentir inexplicavelmente vazios sem saber por que, quando, na verdade, aquilo que poderia nos preencher está muito próximo, mas nós o subestimamos, dando-lhe valor inferior ao que realmente tem. Por isso nem sequer percebemos que longe procuramos o que perto está.

Eventualmente descobrimos que toda a felicidade vem de dentro, mas alguns seres ou objetos são mais aptos do que outros para refletir o nosso interior para nós mesmos. Esses serão, para nós, os mais valiosos. Todavia, enquanto não se descobrir o valor real de cada ente que nos cerca, não poderá haver verdadeira harmonia e, por conseguinte, haverá contradição e conflito. Só quando o indivíduo consegue refletir sobre si o seu próprio Ser, conhecendo sua real natureza, é que ele consegue atribuir o valor correto. Então cessa a contradição, a harmonia se estabelece e descobre-se que a luz da felicidade nunca veio do exterior, mas sempre do interior, toda vez que nossas nuvens de desejos não a obscureceram, e que ali, ela permanece inabalável.

Na tentativa de fornecer uma visão intelectual, e, portanto limitada, dessa perspectiva correta e respeito daquilo que nos rodeia, foram elaborados os capítulos desta obra.

FONTE: Apresentamos aqui o primeiro capítulo do livro A Tradição Sabedoria - Uma Introdução à Filosofia Esotérica, de Pedro R. M. Olveira e Ricardo Lindemann.


Nenhum comentário:

Postar um comentário