quarta-feira, 13 de maio de 2009

Os Fundamentos da Teosofia - John Algeo

“Desde os deuses ao homem, dos Mundos aos átomos, de uma Estrela a um pirilampo, de um Sol ao fogo vital do menor ser orgânico, o mundo da Forma e Existência é uma imensa corrente, a cujas ligações estamos todos conectados. A Lei da Analogia é a chave para o problema do mundo, e estas ligações tem que ser estudadas coordenadamente em sua relação Oculta com cada outra.” (Helena P. Blavatsky)

Om Mani Padme Hum — o an­tigo mantra budista expres­sa profundas verdades de uma maneira poética. O mantra pode ser traduzido (tanto quanto é possível traduzi-lo) como “Oh! a jóia no lótus!”. A primeira e a última palavra Om Hum, são realmente intraduzíveis; elas são sílabas mis­teriosas que sugerem, mas não afirmam diretamente, significados do tipo usual. As duas palavras do meio, Mani Padme, significando “a jóia no lótus”, são, dessa forma, um poema envolto num mistério. É um notável poema, com uma imagem maravilhosamente estra­nha: dentro das tenras e transitóri­as pétalas da flor de lótus repousa a Adamantina e perdurável gema, o eterno diamante-semente do qual a breve flor surge.

Existem muitos significados na imagem da jóia e do lótus. Mas, talvez, o significado principal seja que, quão superficialmente diferen­tes eles pareçam, a jóia e o lótus são essencialmente um. Quando nós dizemos que uma qualidade é essencial, queremos dizer que ela é indispensável porque toca a es­sência ou o verdadeiro ser de uma coisa. Os fundamentos de uma coisa são o que ela realmente é. Abaixo da superfície-aparência do Lótus repousa sua essência — a jóia. Procurar os fundamentos é buscar a jóia no lótus e isso não é tarefa pequena ou fácil.

Buscar os fundamentos da Teosofia, perguntar o que a Sa­bedoria Divina realmente é. Como pode a pergunta ser respondida? Como nós podemos sondar as pro­fundezas da sabedoria ou retirar a jóia do lótus? Certa vez um físico que foi convidado a dar uma pa­lestra para seus colegas cientistas, disse que pensou que poderia fa­lar sobre “O Universo e Outros As­suntos”. Qualquer um que tente descrever os fundamentos da Te­osofia pode parecer tão presunço­so e tolo quanto aquele físico. Por outro lado, há um velho ditado de que a Teosofia tem baixios nos quais uma criança pode andar, bem como profundezas nas quais um gigante necessita nadar. Por mais diferentes que sejam em al­guns aspectos, os baixios e as pro­fundezas compartilham a mesma água. Se remamos nos baixios, podemos saber algo sobre como são as profundezas. Ao inquirir sobre os fundamentos da Teoso­fia, nós certamente não esgotare­mos as profundezas da Sabedo­ria, mas podemos molhar nossos dedos e experimentar a água.

Existem dois aspectos da Teosofia cujos fundamentos neces­sitam ser considerados: o aspecto teórico e o prático. A palavra “teo­ria” vem do grego, e quer dizer uma visão ou modo de olhar para as coisas. Uma teoria é uma janela para o mundo. Algumas vezes, na verdade, a palavra é usada para referir-se a alguma coisa irreal ou não-prática, como quando nós di­zemos: “Oh, isso é apenas teoria”. Mas, rejeitar teorias é rejeitar jane­las e, portanto permanecer num quarto fechado e sem vista. Como nos diz A Escada de Ouro4, nós ne­cessitamos de mentes abertas, mas para a mente estar aberta devo ter janelas — isso é, teoria — e ela necessita mais janelas de que uma.

O fato de que teorias são ja­nelas significa que duas teorias di­ferentes podem estar corretas. Se duas janelas proporcionam vis­tas de diferentes partes do pano­rama ou mostram a mesma cena de ângulos diferentes, nós não di­zemos que uma vista está correta e a outra errada. Nós reconhece­mos que elas são apenas manei­ras diferentes de olhar para a mes­ma realidade. Para estar seguro, uma ou outra janela pode ser mais útil para um propósito particular, dependendo do que nós queiramos ver; mas as vistas que elas pro­porcionam são igualmente verda­deiras. Assim, também teorias so­bre a natureza e o propósito da vida podem diferir, mas podem ser com­plementares em vez de contradi­tórias. Na filosofia clássica hindu existem seis escolas: a Vaiseshi­ka, a Nyãya. a Sãnkhya, a Yoga, a Mimãnsã e a Vedânta. O termo sânscrito para uma escola de filo­sofia é darsana. da raiz drs, signi­ficando “ver”; é assim equivalente ao grego teoria, um modo de ver as coisas.

A Teosofia inclui uma teoria ou darsana — uma janela através da qual nós podemos olhar para o mundo. Nenhuma infalibilidade é reivindicada para a teoria teosófica. Ela não é uma verdade revela­da que deve ser aceita pela fé. Em vez disso, é uma descoberta feita por gerações de sábios, rishis e mestres, uma descoberta a ser compartilhada, confirmada por nós mesmos, suplementada e trans­mitida, não impensada mas criti­camente. A teoria teosófica é uma daquelas fascinantes janelas má­gicas, abrindo-se à espuma de mares perigosos, em terras en­cantadas e abandonadas.

Mas, mares cujas profunde­zas são perigosas são também fontes de água doadora de vida, e terras abandonadas pedem por exploração e povoação. A teoria teosófica é, na verdade, uma jane­la para um panorama maravilhoso e convidativo.

Mesmo sendo teórica, entre­tanto, a Teosofia também é práti­ca. A palavra prática vem do grego praktike “uma relação com a ação”, do verbo prassein “passar através de, experimentar, agir”. Teoria é olhar; prática é fazer. As duas são complementares, cada uma sen­do indispensável à outra. Se nós desejamos velejar através de “ma­res perigosos', necessitamos tanto de mapas para guiar-nos quanto de tripulação habilidosa para movi­mentar o barco. Faltando uma das duas, o barco está perdido. Assim, teoria sem prática é um mapa que não é seguido, enquanto que práti­ca sem teoria é uma jornada sem direção.

O Dr. Samuel Johnson ob­servou que “um homem pode ser muito sincero em bons princípios sem ter boa prática. Mas, neste caso, bons princípios (ou teoria) não valem nada”. Assim, também, Leonardo da Vinci escreveu: “A suprema desventura é quando a teoria supera a execução. Mas o inverso é igualmente mau — o ele­fante proverbial numa loja de lou­ças tem grande performance po­tencial, mas sem teoria para guiá­-lo, o resultado é porcelana quebra­da. O imperador-filósofo Marcus Aurélius reconheceu a necessida­de de uma vida equilibrada quan­do, em suas Meditações, ele ad­vertiu a si mesmo para “olhar para a essência de uma coisa, quer seja um ponto de doutrina (isso é, de teoria), de prática ou de interpreta­ção”. Isso é o que nós também necessitamos fazer — olhar para a essência da teoria e da prática te­osófica e ver se podemos interpre­tar aquelas coisas por nós mes­mos. A Sociedade Teosófica não possui dogmas, não possui cren­ças requeridas: ela não possui um credo ao qual seus membros se­jam solicitados a subscreverem. Mas a Teosofia é uma teoria — um modo de olhar o mundo e impli­ca numa prática — uma maneira de agir, de passar através do mundo. Os fundamentos dessa teoria e prática podem ser resumidos em três afirmações.

Realidade e Fraternidade

No Proêmio de A Doutrina Secreta de Helena P. Blavatsky nos diz que “três proposições funda­mentais” formam a base de toda a teoria teosófica. A primeira dessas é que há “um Princípio Imutável, Ili­mitado, Eterno e Onipresente”, o qual é a “Realidade Una Absoluta”, abarcando todo o Ser manifesta­do e condicionado. Essa Causa Eterna e Infinita é a Raiz sem Raiz de “tudo o que foi, é ou sempre será”. Esta Realidade Una é a fonte de toda consciência, matéria e vida no universo.

A ciência ortodoxa vê a ma­téria como a realidade básica. A matéria está organizada por leis naturais em estados progressivamente complexos até que, final­mente ela está tão altamente or­ganizada que resulta na vida e na habilidade de crescer e de repro­duzir-se. Por outras leis naturais, a matéria viva é organizada em estados cada vez mais comple­xos, finalmente produzindo consciência pela qual ela torna-se cien­te do mundo em torno dela. Assim, desse ponto de vista, a vida é uma maneira pela qual a matéria atua quando chega a um certo estágio de complexidade, enquanto que a consciência não é mais do que um epifenômeno da matéria. Um dos fundamentos do universo, então, é a matéria; vida e consciência são subprodutos incidentais.

A visão teosófica é muito di­ferente. Ela sustenta que a reali­dade essencial é diferente de qual­quer coisa que nós conhecemos ou possamos conhecer. Ela não é, diz Helena Blavatsky, “ser’ abso­lutamente, mas, sim, “seidade” — a essência da realidade, um prin­cípio. Dela vem a dualidade de consciência e matéria, cada uma implicando na outra. A consciência existe somente na medida em que ela é refletida na matéria, e a ma­téria existe somente na medida em que ela é concebida pela consci­ência. Sem matéria para estar cônscia dela, a consciência não poderia existir; esta afirmação é muito aceitável para a ciência or­todoxa. A afirmação complementar, entretanto, é uma daquelas jane­las abrindo-se para um mundo en­cantado: sem consciência para estar cônscia dela, a matéria não poderia existir. Há muito tempo atrás, a ciência teria rejeitado tal afirmação como puro misticismo. Mas, à medida que os cientistas investigam profundamente no mundo subatômico, a matéria, como nós a pensamos, desapare­ce completamente, deixando em seu rastro partículas de energia ou, mais precisamente, probabilidades de energia cuja própria existência está misteriosamente envolvida com nossa consciência delas. Fri­tjof Capra é um daqueles novos fí­sicos que adotam esta visão apa­rentemente mística da matéria, por exemplo, em seu estimulante livro O Tao da Física. Nessa visão, consciência e matéria parecem ser na verdade funções uma da outra, da mesma forma que a Sabedoria Antiga sustenta.

E sobre a vida? A Teosofia a vê como o relacionamento ou inte­ração entre consciência e matéria. Quando a consciência submete-se à matéria e a matéria responde moldando-se a si mesma em for­mas conscientes, o resultado é vida. Nenhuma partícula do univer­so quer pequena ou isolada, exis­te sem matéria, consciência e vida — não completamente desenvolvi­da, talvez, mas em essência. Des­sa forma, dentro de todo ser mani­festado está a seidade una abso­luta; atrás do universo múltiplo e variado está a Realidade Una.

Cada teoria implica ação. Qual, então, é a conseqüência prá­tica da primeira proposição funda­mental? A teoria é que há uma real­idade subjacente a toda existência — toda matéria, consciência e vida. Que prática isso implica? A unida­de da realidade conota a unidade da humanidade. E a unidade da huma­nidade requer que nós vivamos para honrar esta unidade, para promo­vê-la, para ser fraternais com nos­sos semelhantes. Assim, a primei­ra proposição fundamental de A Doutrina Secreta implica no primeiro objetivo da Sociedade Teosófica: “Formar um núcleo da Fraternida­de Universal da Humanidade, sem distinção de raça, credo, sexo, cas­ta ou cor". Não é por acaso que o objetivo da fraternidade foi coloca­do em primeiro lugar na agenda te­osófica ou que os Mestres consi­deram-no como a razão de ser da Sociedade.

Em 188O,o Mestre K. H. es­creveu a A. P. Sinnett: “Os Che­fes querem uma Fraternidade da Humanidade, uma real Fraternida­de Universal iniciada” (Carta dos Mahatmas, número 6). Se nós aceitamos a primeira e fundamen­tal proposição da teoria Teosófica — a unidade da realidade — nós so­mos levados, inescapavelmente, à prática da fraternidade. Esposar a fraternidade sem saber por que é mera sentimentalidade Procla­mar nossa crença na radical uni­dade da realidade sem viver em fraternidade é hipocrisia. A teoria e a prática devem ir juntas. Assim a primeira proposição e os primei­ros objetivos juntos implicam em serviço, como um dos aspectos da vida teosófica

Ordem e Estudo

A segunda proposição funda­mental — a segunda base da teoria teosófica — é que A Doutrina Se­creta afirma a Eternidade do Uni­verso in toto como um plano ilimi­tado, periodicamente “o palco de inumeráveis Universos, incessan­temente manifestando-se e desa­parecendo”. Esta segunda asser­ção de A Doutrina Secreta é a “ab­soluta universalidade daquela lei de periodicidade, de fluxo e refluxo, vazante e cheia, que a ciência físi­ca observou e constatou em todos os departamentos da Natureza. Uma alternação tal como a de Dia e Noite, Vida e Morte, Sono e Vigí­lia, é um fato tão perfeitamente universal e sem exceção, que é fácil compreender que nela nós vemos uma das Leis absolutamen­te fundamentais do Universo”.

A segunda proposição afirma ciclos regulares ou repetição pa­dronizada em todas as coisas, isto é, lei, ordem, sistema. Ela afirma que o universo não é um acidente, mas um lugar planejado e ordena­do, que existe um desígnio gover­nando o processo mundial. O uni­verso não é apenas um “pegar fogo”, o Big Bang, ao qual a ciên­cia atribui o começo de nosso Universo, não é alguma coisa que aconteceu uma vez somente. Os astrônomos estão agora debaten­do se o universo continuará expan­dindo-se infinitamente, até que, fi­nalmente, dissipe-se nas longín­quas distâncias de lugar nenhum, ou se ele se contrairá e retornará a alguma unidade densa e com­pacta, no centro de algum lugar. A teoria teosófica predica um univer­so oscilante que, alternadamente, expande-se e se contrai de uma maneira regular e ordenada.

Olhando para nós mesmos, vemos a lei da periodicidade na re­encarnação — a alternação de Vida e Morte, como Helena Petrovna Bla­vatsky a chamou. E no Karma — a lei de causa e efeito que controla e induz o nascimento no mundo físi­co — nós vemos o princípio de or­dem, que é essencial no ato da perio­dicidade. Em nós, pequenos seres humanos, como no grande univer­so, há ordem e repetição, há Kar­ma e renovação cíclica.

Ferdinand de Saussure, o fundador da lingüistica moderna, disse que uma linguagem é um sis­tema no qual tudo permanece uni­do. Ele podia ter dito isso, tão ver­dadeiramente, de qualquer outra coisa no universo ou do próprio universo. A palavra universo vem do latim, significando transforma­do em um. O universo é um todo combinando todas as suas partes, aparentemente separadas, numa unidade. Esta unidade não é tanto o estofo do qual o universo é feito, mas, sim, os modelos que mol­dam o estofo material. Norbert Wi­ener, o inventor da cibernética, es­creveu: “Nós não somos um esto­fo que sustenta, mas modelos que perpetuam a si próprios”. Nós e tudo o mais que sentimos em nos­sa volta não somos os pedaços de matéria que supomos, mas mode­los perpetuando-se a si próprios.

A conseqüência prática da segunda proposição é que nós devemos tentar descobrir a ordem no universo para que, assim, pos­samos viver de acordo com ela. Nós buscamos encontrar essa or­dem numa variedade de maneiras, as principais entre elas sendo as disciplinas da ciência, filosofia e religião. O propósito da ciência é estudar a ordem na Natureza físi­ca. O propósito da filosofia é estu­dar a ordem nos assuntos intelec­tuais. O da religião é estudar a ordem nas coisas espirituais.

Assim, a segunda proposi­ção fundamental que afirma a exis­tência da ordem leva naturalmen­te ao segundo objetivo da Socie­dade Teosófica: “Encorajar o estu­do de Religião Comparada, Filosofia e Ciência”. Tal estudo deve ser comparado porque nenhuma úni­ca religião ou campo único da filosofia ou da ciência tem um mono­pólio da verdade. Entre elas, entre­tanto, essas três disciplinas co­brem o todo do ser humano.

De acordo com uma análi­se da constituição humana exis­tem exatamente três bases (ou upadhis) para a consciência. Há o sthulopãdhi ou base grosseira, que é a consciência de vigília nor­mal funcionando no plano físico. O sukshomopãdhi ou base sutil é a consciência no plano astral ou emocional e mental inferior ou concreto a personalidade que subjaz à nossa consciência física. O kãranopãdhi, ou base cau­sal é a consciência no plano men­tal superior ou abstrato e búdico ou intuicional, a Individualidade que sobrevive de encarnação a encarnação e subjaz a todas nos­sas personalidades. Toda a vida humana está construída sobre estas três bases.

A Ciência ao estudar a na­tureza física trata com o mundo do sthulopâdhi ou o mundo ao nos­so redor em sua forma grosseira. A filosofia, ao estudar os assuntos intelectuais, trata com o plano de sukshmopâdhi — o mundo sutil do pensamento e sentimento, da mente e das emoções. A religião, ao estudar os assuntos espirituais, trata com o nível do kãranopãdhi o mundo causal daquelas verda­des últimas que ligam o homem de volta às suas origens.

Assim, ciência, filosofia e re­ligião buscam ordem em todas as bases da vida humana. E tendo descoberto a ordem através des­sas disciplinas, nós podemos in­teragir com a periodicidade do uni­verso, conscientemente assistin­do e colaborando com o plano cósmico. Mais uma vez teoria e prática fundem-se para cooperar com a ordem universal, nós de­vemos conhecê-la; para descobrir essa ordem, nós devemos vivê-la. A segunda proposição e o se­gundo objetivo, juntos, implicam no estudo como um aspecto da vida teosófica.

Analogia e o Não-explicado

A primeira proposição funda­mental está relacionada com a absoluta unidade que subjaz ao mundo fenomênico. A segunda proposição está relacionada com esse mundo e a ordem cíclica nele. A terceira proposição está relacio­nada com o relacionamento entre a unidade absoluta e o mundo manifestado, particularmente, ela está relacionada com os seres humanos como expressão desse relacionamento.

A terceira proposição funda­mental é “a fundamental identidade de todas as Almas com a Su­per-Alma Universal, essa última sendo um aspecto da Raiz Desconhecida; e a peregrinação obri­gatória para cada Alma através do Ciclo de Encarnação ou Necessi­dade, de acordo com a Lei Kármi­ca e Cíclica”. A terceira proposição afirma a identidade de cada indiví­duo com uma única Super-Alma. Esta Super-Alma, que nós chama­mos Logos, é uma consciência que dá vida à matéria do universo. Ba­sicamente, a terceira proposição afirma nossa identidade com a Realidade Uma Absoluta. Ela diz, de fato, que o ser humano é um mi­crocosmo (ou pequeno mundo) correspondendo ao macrocosmo (ou grande mundo), no qual nós vivemos. Ela mostra ser o propó­sito da existência uma peregrina­ção de volta à nossa fonte.

Essa é uma proposição im­portante porque ela significa que somos da mesma natureza do próprio universo, podemos olhar para ele e tirar conclusões sobre nós mesmos e, inversamente, olhar dentro de nós mesmos para descobrir algo a respeito do uni­verso. Se construtores de navios querem projetar um tipo comple­tamente novo de navio ou enge­nheiros espaciais um novo mode­lo de espaçonave, eles fazem mais do que apenas desenhar os planos no papel e então construir um navio do tamanho do Rainha Elizabeth ou um veículo espacial para levar homens à Lua. Primei­ro eles usam um modelo ou uma simulação de computador para ter certeza de que o projeto funciona­rá realmente, como eles pensa­vam que iria.

O modelo é, assim, um mi­crocosmo que pode ser testado e do qual os engenheiros podem descobrir algo acerca do projeto para o receptáculo proposto. Isto é, eles usam a lei de analogia; da mesma forma nós podemos usá-la. Por analogia ou correspon­dência, podemos penetrar no desconhecido e desenvolver fa­culdades que agora são apenas latentes.

A terceira proposição tam­bém diz que as almas individuais, por serem idênticas ao ofuscante Logos e serem basicamente ex­pressões da Realidade Una, são como o Logos, sujeitas à Lei de periodicidade. O homem funciona de acordo com as mesmas leis e princípios que guiam o grande uni­verso em volta dele.

Quando Édipo estava via­jando para Tebas, investiu contra a Esfinge, uma criatura que era metade humana e metade leão e tinha o hábito de formular enig­mas. E era seu hábito desagra­dável devorar, no mesmo mo­mento, quem não conseguisse responder seu enigma. Assim, a Esfinge questionou Édipo: “O que anda sobre quatro pernas de ma­nhã, duas pernas ao meio-dia e três pernas ao entardecer”. Sem um momento de hesitação, Édi­po respondeu o enigma corretamente: “O homem, pois ele engatinha sobre quatro pernas na manhã da vida, caminha ereto sobre duas pernas ao meio-dia da vida e manca sobre duas per­nas e uma bengala no entarde­cer da vida”. A Esfinge ficou tão agitada porque Édipo tinha tirado o melhor dela que se atirou de um alto penhasco e pereceu.

Em anos posteriores (de acordo com André Gide que in­terpretou o mito para os tempos modernos), Édipo disse a seus dois filhos como ele tinha adivi­nhado a resposta do enigma da Esfinge, quando outros tinham falhado: “Vocês devem entender, meus garotos, que no começo de sua jornada, cada um de nós encontra um monstro que o con­fronte com o enigma que pode impedi-lo de ir adiante. Embora para cada um de nós a Esfinge possa apresentar uma pergunta diferente, vocês devem persua­dir a vocês mesmos de que a resposta é sempre a mesma. Sim, há somente uma resposta para todos os enigmas, porque a humanidade é o microcosmo e contém dentro dela mesma todas as perguntas que a vida pode for­mular e todas as respostas que nós podemos dar.

Ou, como diz Blavatsky em Ísis sem Véu, A trindade da Na­tureza é a fechadura da magia, a trindade do homem a chave que se ajusta a ela. Nós olhamos no espelho do homem e vemos, re­fletido de volta, o cosmo.

Finalmente, a terceira propo­sição diz que o processo mundial não é fortuito, mas com um propósito. A jornada na qual nos encon­tramos tem uma meta: é uma pe­regrinação — uma jornada para um destino espiritual por causa da saú­de da alma. De acordo com alguns psicoterapeutas recentes, tais como V. Frankl, o maior problema que muitas pessoas enfrentam, hoje, é que lhes falta um senso de propósito. A terceira proposição assegura-nos que nossas vidas têm significado, propósito e dire­ção; que nós estamos nos moven­do deliberadamente em direção a uma meta — a redescoberta do que nós realmente somos. Devido ao princípio de analogia, mantemos dentro de nós mesmos o mapa que vamos seguir. E se nós o se­guirmos, como T S. Eliot diz em Little Gidding: “...o final de toda nossa exploração será chegar onde nós começamos e conhecer o lugar pela primeira vez”.

Qual é a conseqüência prá­tica da terceira proposição? Se podemos aprender algo a respeito do propósito da nossa existência, correlacionando-nos como univer­so, nós devemos assim fazer. Por­tanto, o terceiro objetivo da Socie­dade Teosófica é “Investigar as leis não-explicadas da Natureza e os poderes latentes no homem”, pois estudar um é aprender alguma coisa do outro.

Pensa-se do terceiro objeti­vo como se referindo à percepção extra-sensorial e fenômenos paranormais de vários tipos. Nos pri­mórdios da Sociedade Teosófica tais fenômenos representaram um grande papel. Helena Blavatsky e o Cel. Olcott encontraram-se numa sessão espírita enquanto que A. P. Sinnet, um dos mais proeminen­tes dos primeiros membros ingle­ses da Sociedade na Índia, foi atra­ído, principalmente, pelos notáveis poderes de Blavatsky. Ele queria promover a Sociedade através de tais maravilhas; entretanto, como o Mahatma K. H. escreveu para ele: “a Sociedade Teosófica é an­tes de tudo uma Fraternidade uni­versal não uma Sociedade para fenômenos e ocultismo” (Cartas dos Mahatmas, número 138).

A primazia da fraternidade sobre as práticas ocultas dentro da Sociedade tinha sido clarificada logo cedo em 1881, de acordo com Old Diary Leaves, do Cel. Olcott (obra conhecida como A História da Sociedade Teosófica), e foi reafirmada no discur­so inaugural de Radha Burnier, Presidenta Internacional da Socie­dade Teosófica: “O trabalho da Sociedade não está relacionado com fenômenos e artes ocultas, embora interessantes fenô­menos pertencentes ao mundo in­visível possam ser para o psicólo­go ou mesmo para o leigo. Eles são triviais na perspectiva do co­nhecimento necessário para regenerar a vida humana. Não é espiri­tismo, mas sim, espiritualidade que o mundo necessita, não artes ocul­tas, mas sim, ocultismo, também chamado gupta-vidyã (a doutrina secreta) e ãtma-vidyã (a verdadei­ra sabedoria)”.

As Leis mais importantes não-explicadas da Natureza são aquelas pelas quais o homem e todos os outros seres estão rela­cionados uns com os outros e os mais importantes poderes latentes no homem são aqueles pelos quais ele é capaz de compreender sua identidade fundamental com a Super Alma Universal.

Para realizar o terceiro obje­tivo, não se necessita sentar-se para o desenvolvimento como os espiritas dizem; não é necessário tornar-se um seguidor do Dr. Rhi­ne em suas experiências em PES (Percepção Extra-Sensorial, N.T.); não se necessita, como um dos astronautas, praticar transferência de pensamento no espaço exteri­or. A técnica principal para investi­gar as leis não-explicadas da Na­tureza e os poderes latentes no homem é realizar nossa identidade fundamental com a Super Alma Universal — é a técnica da meditação.

A maneira mais efetiva de investigar as leis não-explicadas fora de nós e o potencial latente dentro de nós é praticar o contro­le da mente. Nossas mentes estão submetidas a um dualismo de sujeito e objeto; nós o sujeito, pen­samos sobre objetos. O pensador e o objeto pensado são os dois ele­mentos essenciais para a mente trabalhar. Mas, atrás dessa men­te dualista existe uma consciên­cia não-dual que é cônscia, mas sem um objeto externo ou senti­do de “eu”. Quando a mente dua­lista torna-se quieta, a consciên­cia não-dualista pode surgir. Para aquietar a mente, necessitamos centrar nossos pequenos eus no grande Eu que está ao redor e dentro de nós. Este centrar do eu e aquietar da mente é meditação. Dele provém um grande sentido de liberdade e alegria. Embora ao meditarmos nós digamos que contemos a mente, não há senti­do de esforço. Meditar é, no jar­gão recente, estar “deitado de cos­tas”, mas é também ser vitais, cônscios, participantes.

Meditação é tanto trabalho quanto relaxamento, recolhimento e participação, contenção e liber­dade. O estado meditativo está cheio de contradições, que se deve esperar ao aventurar-se no não­ explicado e latente. A maior fron­teira é o espaço dentro de nós. Ele é o panorama sobre o qual as “ja­nelas mágicas” da teoria teosófica abrem-se; este é o território atra­vés do qual a prática teosófica nos convida a viajar em nossa peregri­nação. A terceira proposição e o terceiro objetivo juntos implicam na meditação como um dos aspecto da vida teosófica.

Os fundamentos e o selo

Teosofia, então, é tanto teo­ria quanto prática. Os fundamen­tos de sua teoria são as três pro­posições fundamentais de A Dou­trina Secreta. Os fundamentos de sua prática são os três objetivos da Sociedade que nos levam à uma vida tríplice de serviço, estu­do e meditação. A teoria e a práti­ca estão inter-relacionadas — cada uma das proposições implica em um dos objetivos. Tudo está sim­bolizado pelos triângulos no selo da Sociedade Teosófica.

O triângulo claro pode ser tomado para representar a teoria. O ponto de cima relaciona-se com a primeira proposição: há uma Realidade Absoluta. O ponto infe­rior direito relaciona-se com a se­gunda proposição: há ordem no universo revelado em ciclos. O ponto inferior esquerdo relaciona-se com a terceira proposição: cada alma individual é idêntica à Super-Alma: a humanidade cujo propósi­to é a peregrinação, é um micro­cosmo do universo.

Estas três proposições tra­tam, respectivamente, com Deus ou a Realidade Última, o Universo e o Homem. Em arranjos florais japoneses existem três elementos — um superior representando o céu, um horizontal representando a Terra e um elemento oblíquo, entre os outros dois representan­do o homem. O princípio no triân­gulo é o mesmo. Os três elemen­tos representados no arranjo floral ou pelos três pontos do triângulo — Deus, o Universo e o Homem —constituem tudo o que existe. E assim nós superamos aquele físi­co que falou sobre ‘o universo e outros assuntos”; os “outros as­suntos” são o Homem e Deus e nós tratamos com todos os três.

Se o triângulo claro repre­senta a teoria, o triângulo escuro representa a prática. Seu ponto in­ferior ao primeiro objetivo: formar um núcleo da Fraternidade Uni­versal. Seu ponto superior es­querdo relaciona-se ao estudo da religião, filosofia e ciência. Seu ponto superior direito relaciona-se à investigação das leis não-expli­cadas da Natureza e os poderes latentes no homem.

Religião, filosofia e ciência representam a sabedoria acumu­lada no passado, nossa herança intelectual dos eruditos, sábios e santos que existiram antes de nós. As leis não-explicadas e os poderes latentes são o que o fu­turo sustenta. Elas estão para serem explicadas e eles, para se­rem desenvolvidos doravante e serão nossos legados para as ge­rações que nos seguirem. A fra­ternidade é um fato; ela existe aqui e agora. Os teósofos não reivindi­cam formar a fraternidade — isso seria presunçoso e insensato. Eles mencionam somente formar um núcleo da fraternidade que já está no presente. Dessa forma, os três objetivos cobrem o passa­do do gênero humano, que nós estudamos; seu futuro, que nós formamos na meditação; seu pre­sente, que nós servimos.

Finalmente, os triângulos estão entrelaçados, mostrando-nos que teoria e prática são inter­dependentes. Cada ponto está re­fletido no oposto. Assim, a Uni­dade Absoluta está refletida na fra­ternidade. E dessa reflexão nós podemos tirar uma importante con­clusão: nós não estamos sós. Cada um de nós é parte de uma grande rede, conectando-se com todos os outros seres humanos e com todos os seres. Nós estamos unidos, indissoluvelmente, naque­le estado de “transformando em um”, que é o universo.

E a ordem cíclica do univer­so está refletida na ciência, filo­sofia e religião — uma reflexão que nos lembra que há uma contínua Tradição-Sabedoria originando-se dos Guardiões da raça, preserva­da e transmitida por uma cadeia imensamente longa de estudan­tes e, finalmente, chegando até nós. A tradição interpreta todas as coisas analogicamente e, assim, dá uma percepção do desconhe­cido. No volume 1 do The Theoso­phist (outubro, 1879, pp.2-3), Blavatsky assinala que os antigos te­ósofos foram chamados analogistas devido “a seu método de inter­pretar todas as lendas sagradas, mitos simbólicos e mistérios por uma regra de analogia ou corres­pondência, de forma que eventos que tinham ocorrido no mundo ex­terno fossem considerados como expressando operações e expe­riências da alma humana.”.

Desse modo, a analogia do universo e da humanidade e a ta­refa de descobrir o propósito de ambos estão refletidas numa in­vestigação das leis naturais não-explicadas e os poderes humanos latentes. Dessa reflexão, compreendemos que o mundo em torno de nós está carregado com signi­ficado. O livro da Natureza quer ser lido e é como se fosse um grande holograma.

Hologramas são lâminas fo­tográficas produzidas por luz co­erente (por exemplo, um feixe de raio “laser”), e elas têm algumas propriedades notáveis, tais como a produção de uma imagem tridi­mensional quando o mesmo tipo de luz coerente é projetado sobre elas. Mas uma das mais incríveis de suas propriedades é que cada parte do holograma contém toda a Informação presente no todo. Se você quebra um holograma em duas partes iguais, cada metade produzirá a gravura original intei­ra. E se você o quebra em quatro, oito ou dezesseis partes, cada parte, mesmo que pequena, ain­da projetará a gravura inteira. O todo está presente em cada par­te. Cada pedaço está carregado com significado.

A Tradição-Sabedoria tam­bém é assim. Se, amanhã, atra­vés de alguma grande catástrofe, toda a Tradição venha a ser perdi­da ou esquecida exceto por uma simples idéia — tal como Karma — seria possível reconstruir o todo da Tradição daquela parte. É um exercício útil tomar uma tal idéia e seguir suas implicações para ver como o resto da Tradição surge dela. Mas, mesmo se a Tradição inteira fosse perdida, sem perma­necer nem uma simples idéia, os seres humanos poderiam ainda olhar dentro deles próprios, den­tro e além de suas próprias men­tes e reconstruir a Tradição em todos os seus fundamentos. De um certo modo, isso é o que acon­tece com geração após geração de estudantes. Pois a tradição externa não é a Tradição real; ela é somente a mostra exterior. A Tra­dição real consiste das realidades internas, descobertas através da meditação, por cada pessoa por si mesma e para si mesma.
Assim, nas reflexões dos pontos dos triângulos entrelaça­dos, vemos três grandes verdades: nós não estamos sós; a Tradição-Sabedoria é contínua; todas as coisas estão carregadas de significado. Os triângulos entrelaçados formam uma estrela — ou é um ló­tus trazendo em seu centro uma jóia? O todo do lótus-estrela é a Teosofia — uma teoria sobre Deus o Homem e o Universo e uma prática envolvendo serviço, estudo e meditação. Esses são os funda­mentos da Teosofia.

Publicado originalmente na revista The Theosophist, de maio de 1980.
Extraído da revista O Teosofista de janeiro/outubro de 1990.
Tradução: Pedro R. M. de Oliveira, MST Loja Dharrna, Porto Alegre, RS.
Revisão: lsmênia Maria Cavalcante Azambuja, MST Loja Fênix, Brasíha. DF.

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