“Desde os deuses ao homem, dos Mundos aos átomos, de uma Estrela a um pirilampo, de um Sol ao fogo vital do menor ser orgânico, o mundo da Forma e Existência é uma imensa corrente, a cujas ligações estamos todos conectados. A Lei da Analogia é a chave para o problema do mundo, e estas ligações tem que ser estudadas coordenadamente em sua relação Oculta com cada outra.” (Helena P. Blavatsky)
Om Mani Padme Hum — o antigo mantra budista expressa profundas verdades de uma maneira poética. O mantra pode ser traduzido (tanto quanto é possível traduzi-lo) como “Oh! a jóia no lótus!”. A primeira e a última palavra Om Hum, são realmente intraduzíveis; elas são sílabas misteriosas que sugerem, mas não afirmam diretamente, significados do tipo usual. As duas palavras do meio, Mani Padme, significando “a jóia no lótus”, são, dessa forma, um poema envolto num mistério. É um notável poema, com uma imagem maravilhosamente estranha: dentro das tenras e transitórias pétalas da flor de lótus repousa a Adamantina e perdurável gema, o eterno diamante-semente do qual a breve flor surge.
Existem muitos significados na imagem da jóia e do lótus. Mas, talvez, o significado principal seja que, quão superficialmente diferentes eles pareçam, a jóia e o lótus são essencialmente um. Quando nós dizemos que uma qualidade é essencial, queremos dizer que ela é indispensável porque toca a essência ou o verdadeiro ser de uma coisa. Os fundamentos de uma coisa são o que ela realmente é. Abaixo da superfície-aparência do Lótus repousa sua essência — a jóia. Procurar os fundamentos é buscar a jóia no lótus e isso não é tarefa pequena ou fácil.
Buscar os fundamentos da Teosofia, perguntar o que a Sabedoria Divina realmente é. Como pode a pergunta ser respondida? Como nós podemos sondar as profundezas da sabedoria ou retirar a jóia do lótus? Certa vez um físico que foi convidado a dar uma palestra para seus colegas cientistas, disse que pensou que poderia falar sobre “O Universo e Outros Assuntos”. Qualquer um que tente descrever os fundamentos da Teosofia pode parecer tão presunçoso e tolo quanto aquele físico. Por outro lado, há um velho ditado de que a Teosofia tem baixios nos quais uma criança pode andar, bem como profundezas nas quais um gigante necessita nadar. Por mais diferentes que sejam em alguns aspectos, os baixios e as profundezas compartilham a mesma água. Se remamos nos baixios, podemos saber algo sobre como são as profundezas. Ao inquirir sobre os fundamentos da Teosofia, nós certamente não esgotaremos as profundezas da Sabedoria, mas podemos molhar nossos dedos e experimentar a água.
Existem dois aspectos da Teosofia cujos fundamentos necessitam ser considerados: o aspecto teórico e o prático. A palavra “teoria” vem do grego, e quer dizer uma visão ou modo de olhar para as coisas. Uma teoria é uma janela para o mundo. Algumas vezes, na verdade, a palavra é usada para referir-se a alguma coisa irreal ou não-prática, como quando nós dizemos: “Oh, isso é apenas teoria”. Mas, rejeitar teorias é rejeitar janelas e, portanto permanecer num quarto fechado e sem vista. Como nos diz A Escada de Ouro4, nós necessitamos de mentes abertas, mas para a mente estar aberta devo ter janelas — isso é, teoria — e ela necessita mais janelas de que uma.
O fato de que teorias são janelas significa que duas teorias diferentes podem estar corretas. Se duas janelas proporcionam vistas de diferentes partes do panorama ou mostram a mesma cena de ângulos diferentes, nós não dizemos que uma vista está correta e a outra errada. Nós reconhecemos que elas são apenas maneiras diferentes de olhar para a mesma realidade. Para estar seguro, uma ou outra janela pode ser mais útil para um propósito particular, dependendo do que nós queiramos ver; mas as vistas que elas proporcionam são igualmente verdadeiras. Assim, também teorias sobre a natureza e o propósito da vida podem diferir, mas podem ser complementares em vez de contraditórias. Na filosofia clássica hindu existem seis escolas: a Vaiseshika, a Nyãya. a Sãnkhya, a Yoga, a Mimãnsã e a Vedânta. O termo sânscrito para uma escola de filosofia é darsana. da raiz drs, significando “ver”; é assim equivalente ao grego teoria, um modo de ver as coisas.
A Teosofia inclui uma teoria ou darsana — uma janela através da qual nós podemos olhar para o mundo. Nenhuma infalibilidade é reivindicada para a teoria teosófica. Ela não é uma verdade revelada que deve ser aceita pela fé. Em vez disso, é uma descoberta feita por gerações de sábios, rishis e mestres, uma descoberta a ser compartilhada, confirmada por nós mesmos, suplementada e transmitida, não impensada mas criticamente. A teoria teosófica é uma daquelas fascinantes janelas mágicas, abrindo-se à espuma de mares perigosos, em terras encantadas e abandonadas.
Mas, mares cujas profundezas são perigosas são também fontes de água doadora de vida, e terras abandonadas pedem por exploração e povoação. A teoria teosófica é, na verdade, uma janela para um panorama maravilhoso e convidativo.
Mesmo sendo teórica, entretanto, a Teosofia também é prática. A palavra prática vem do grego praktike “uma relação com a ação”, do verbo prassein “passar através de, experimentar, agir”. Teoria é olhar; prática é fazer. As duas são complementares, cada uma sendo indispensável à outra. Se nós desejamos velejar através de “mares perigosos', necessitamos tanto de mapas para guiar-nos quanto de tripulação habilidosa para movimentar o barco. Faltando uma das duas, o barco está perdido. Assim, teoria sem prática é um mapa que não é seguido, enquanto que prática sem teoria é uma jornada sem direção.
O Dr. Samuel Johnson observou que “um homem pode ser muito sincero em bons princípios sem ter boa prática. Mas, neste caso, bons princípios (ou teoria) não valem nada”. Assim, também, Leonardo da Vinci escreveu: “A suprema desventura é quando a teoria supera a execução. Mas o inverso é igualmente mau — o elefante proverbial numa loja de louças tem grande performance potencial, mas sem teoria para guiá-lo, o resultado é porcelana quebrada. O imperador-filósofo Marcus Aurélius reconheceu a necessidade de uma vida equilibrada quando, em suas Meditações, ele advertiu a si mesmo para “olhar para a essência de uma coisa, quer seja um ponto de doutrina (isso é, de teoria), de prática ou de interpretação”. Isso é o que nós também necessitamos fazer — olhar para a essência da teoria e da prática teosófica e ver se podemos interpretar aquelas coisas por nós mesmos. A Sociedade Teosófica não possui dogmas, não possui crenças requeridas: ela não possui um credo ao qual seus membros sejam solicitados a subscreverem. Mas a Teosofia é uma teoria — um modo de olhar o mundo e implica numa prática — uma maneira de agir, de passar através do mundo. Os fundamentos dessa teoria e prática podem ser resumidos em três afirmações.
Realidade e Fraternidade
No Proêmio de A Doutrina Secreta de Helena P. Blavatsky nos diz que “três proposições fundamentais” formam a base de toda a teoria teosófica. A primeira dessas é que há “um Princípio Imutável, Ilimitado, Eterno e Onipresente”, o qual é a “Realidade Una Absoluta”, abarcando todo o Ser manifestado e condicionado. Essa Causa Eterna e Infinita é a Raiz sem Raiz de “tudo o que foi, é ou sempre será”. Esta Realidade Una é a fonte de toda consciência, matéria e vida no universo.
A ciência ortodoxa vê a matéria como a realidade básica. A matéria está organizada por leis naturais em estados progressivamente complexos até que, finalmente ela está tão altamente organizada que resulta na vida e na habilidade de crescer e de reproduzir-se. Por outras leis naturais, a matéria viva é organizada em estados cada vez mais complexos, finalmente produzindo consciência pela qual ela torna-se ciente do mundo em torno dela. Assim, desse ponto de vista, a vida é uma maneira pela qual a matéria atua quando chega a um certo estágio de complexidade, enquanto que a consciência não é mais do que um epifenômeno da matéria. Um dos fundamentos do universo, então, é a matéria; vida e consciência são subprodutos incidentais.
A visão teosófica é muito diferente. Ela sustenta que a realidade essencial é diferente de qualquer coisa que nós conhecemos ou possamos conhecer. Ela não é, diz Helena Blavatsky, “ser’ absolutamente, mas, sim, “seidade” — a essência da realidade, um princípio. Dela vem a dualidade de consciência e matéria, cada uma implicando na outra. A consciência existe somente na medida em que ela é refletida na matéria, e a matéria existe somente na medida em que ela é concebida pela consciência. Sem matéria para estar cônscia dela, a consciência não poderia existir; esta afirmação é muito aceitável para a ciência ortodoxa. A afirmação complementar, entretanto, é uma daquelas janelas abrindo-se para um mundo encantado: sem consciência para estar cônscia dela, a matéria não poderia existir. Há muito tempo atrás, a ciência teria rejeitado tal afirmação como puro misticismo. Mas, à medida que os cientistas investigam profundamente no mundo subatômico, a matéria, como nós a pensamos, desaparece completamente, deixando em seu rastro partículas de energia ou, mais precisamente, probabilidades de energia cuja própria existência está misteriosamente envolvida com nossa consciência delas. Fritjof Capra é um daqueles novos físicos que adotam esta visão aparentemente mística da matéria, por exemplo, em seu estimulante livro O Tao da Física. Nessa visão, consciência e matéria parecem ser na verdade funções uma da outra, da mesma forma que a Sabedoria Antiga sustenta.
E sobre a vida? A Teosofia a vê como o relacionamento ou interação entre consciência e matéria. Quando a consciência submete-se à matéria e a matéria responde moldando-se a si mesma em formas conscientes, o resultado é vida. Nenhuma partícula do universo quer pequena ou isolada, existe sem matéria, consciência e vida — não completamente desenvolvida, talvez, mas em essência. Dessa forma, dentro de todo ser manifestado está a seidade una absoluta; atrás do universo múltiplo e variado está a Realidade Una.
Cada teoria implica ação. Qual, então, é a conseqüência prática da primeira proposição fundamental? A teoria é que há uma realidade subjacente a toda existência — toda matéria, consciência e vida. Que prática isso implica? A unidade da realidade conota a unidade da humanidade. E a unidade da humanidade requer que nós vivamos para honrar esta unidade, para promovê-la, para ser fraternais com nossos semelhantes. Assim, a primeira proposição fundamental de A Doutrina Secreta implica no primeiro objetivo da Sociedade Teosófica: “Formar um núcleo da Fraternidade Universal da Humanidade, sem distinção de raça, credo, sexo, casta ou cor". Não é por acaso que o objetivo da fraternidade foi colocado em primeiro lugar na agenda teosófica ou que os Mestres consideram-no como a razão de ser da Sociedade.
Em 188O,o Mestre K. H. escreveu a A. P. Sinnett: “Os Chefes querem uma Fraternidade da Humanidade, uma real Fraternidade Universal iniciada” (Carta dos Mahatmas, número 6). Se nós aceitamos a primeira e fundamental proposição da teoria Teosófica — a unidade da realidade — nós somos levados, inescapavelmente, à prática da fraternidade. Esposar a fraternidade sem saber por que é mera sentimentalidade Proclamar nossa crença na radical unidade da realidade sem viver em fraternidade é hipocrisia. A teoria e a prática devem ir juntas. Assim a primeira proposição e os primeiros objetivos juntos implicam em serviço, como um dos aspectos da vida teosófica
Ordem e Estudo
A segunda proposição fundamental — a segunda base da teoria teosófica — é que A Doutrina Secreta afirma a Eternidade do Universo in toto como um plano ilimitado, periodicamente “o palco de inumeráveis Universos, incessantemente manifestando-se e desaparecendo”. Esta segunda asserção de A Doutrina Secreta é a “absoluta universalidade daquela lei de periodicidade, de fluxo e refluxo, vazante e cheia, que a ciência física observou e constatou em todos os departamentos da Natureza. Uma alternação tal como a de Dia e Noite, Vida e Morte, Sono e Vigília, é um fato tão perfeitamente universal e sem exceção, que é fácil compreender que nela nós vemos uma das Leis absolutamente fundamentais do Universo”.
A segunda proposição afirma ciclos regulares ou repetição padronizada em todas as coisas, isto é, lei, ordem, sistema. Ela afirma que o universo não é um acidente, mas um lugar planejado e ordenado, que existe um desígnio governando o processo mundial. O universo não é apenas um “pegar fogo”, o Big Bang, ao qual a ciência atribui o começo de nosso Universo, não é alguma coisa que aconteceu uma vez somente. Os astrônomos estão agora debatendo se o universo continuará expandindo-se infinitamente, até que, finalmente, dissipe-se nas longínquas distâncias de lugar nenhum, ou se ele se contrairá e retornará a alguma unidade densa e compacta, no centro de algum lugar. A teoria teosófica predica um universo oscilante que, alternadamente, expande-se e se contrai de uma maneira regular e ordenada.
Olhando para nós mesmos, vemos a lei da periodicidade na reencarnação — a alternação de Vida e Morte, como Helena Petrovna Blavatsky a chamou. E no Karma — a lei de causa e efeito que controla e induz o nascimento no mundo físico — nós vemos o princípio de ordem, que é essencial no ato da periodicidade. Em nós, pequenos seres humanos, como no grande universo, há ordem e repetição, há Karma e renovação cíclica.
Ferdinand de Saussure, o fundador da lingüistica moderna, disse que uma linguagem é um sistema no qual tudo permanece unido. Ele podia ter dito isso, tão verdadeiramente, de qualquer outra coisa no universo ou do próprio universo. A palavra universo vem do latim, significando transformado em um. O universo é um todo combinando todas as suas partes, aparentemente separadas, numa unidade. Esta unidade não é tanto o estofo do qual o universo é feito, mas, sim, os modelos que moldam o estofo material. Norbert Wiener, o inventor da cibernética, escreveu: “Nós não somos um estofo que sustenta, mas modelos que perpetuam a si próprios”. Nós e tudo o mais que sentimos em nossa volta não somos os pedaços de matéria que supomos, mas modelos perpetuando-se a si próprios.
A conseqüência prática da segunda proposição é que nós devemos tentar descobrir a ordem no universo para que, assim, possamos viver de acordo com ela. Nós buscamos encontrar essa ordem numa variedade de maneiras, as principais entre elas sendo as disciplinas da ciência, filosofia e religião. O propósito da ciência é estudar a ordem na Natureza física. O propósito da filosofia é estudar a ordem nos assuntos intelectuais. O da religião é estudar a ordem nas coisas espirituais.
Assim, a segunda proposição fundamental que afirma a existência da ordem leva naturalmente ao segundo objetivo da Sociedade Teosófica: “Encorajar o estudo de Religião Comparada, Filosofia e Ciência”. Tal estudo deve ser comparado porque nenhuma única religião ou campo único da filosofia ou da ciência tem um monopólio da verdade. Entre elas, entretanto, essas três disciplinas cobrem o todo do ser humano.
De acordo com uma análise da constituição humana existem exatamente três bases (ou upadhis) para a consciência. Há o sthulopãdhi ou base grosseira, que é a consciência de vigília normal funcionando no plano físico. O sukshomopãdhi ou base sutil é a consciência no plano astral ou emocional e mental inferior ou concreto a personalidade que subjaz à nossa consciência física. O kãranopãdhi, ou base causal é a consciência no plano mental superior ou abstrato e búdico ou intuicional, a Individualidade que sobrevive de encarnação a encarnação e subjaz a todas nossas personalidades. Toda a vida humana está construída sobre estas três bases.
A Ciência ao estudar a natureza física trata com o mundo do sthulopâdhi ou o mundo ao nosso redor em sua forma grosseira. A filosofia, ao estudar os assuntos intelectuais, trata com o plano de sukshmopâdhi — o mundo sutil do pensamento e sentimento, da mente e das emoções. A religião, ao estudar os assuntos espirituais, trata com o nível do kãranopãdhi o mundo causal daquelas verdades últimas que ligam o homem de volta às suas origens.
Assim, ciência, filosofia e religião buscam ordem em todas as bases da vida humana. E tendo descoberto a ordem através dessas disciplinas, nós podemos interagir com a periodicidade do universo, conscientemente assistindo e colaborando com o plano cósmico. Mais uma vez teoria e prática fundem-se para cooperar com a ordem universal, nós devemos conhecê-la; para descobrir essa ordem, nós devemos vivê-la. A segunda proposição e o segundo objetivo, juntos, implicam no estudo como um aspecto da vida teosófica.
Analogia e o Não-explicado
A primeira proposição fundamental está relacionada com a absoluta unidade que subjaz ao mundo fenomênico. A segunda proposição está relacionada com esse mundo e a ordem cíclica nele. A terceira proposição está relacionada com o relacionamento entre a unidade absoluta e o mundo manifestado, particularmente, ela está relacionada com os seres humanos como expressão desse relacionamento.
A terceira proposição fundamental é “a fundamental identidade de todas as Almas com a Super-Alma Universal, essa última sendo um aspecto da Raiz Desconhecida; e a peregrinação obrigatória para cada Alma através do Ciclo de Encarnação ou Necessidade, de acordo com a Lei Kármica e Cíclica”. A terceira proposição afirma a identidade de cada indivíduo com uma única Super-Alma. Esta Super-Alma, que nós chamamos Logos, é uma consciência que dá vida à matéria do universo. Basicamente, a terceira proposição afirma nossa identidade com a Realidade Uma Absoluta. Ela diz, de fato, que o ser humano é um microcosmo (ou pequeno mundo) correspondendo ao macrocosmo (ou grande mundo), no qual nós vivemos. Ela mostra ser o propósito da existência uma peregrinação de volta à nossa fonte.
Essa é uma proposição importante porque ela significa que somos da mesma natureza do próprio universo, podemos olhar para ele e tirar conclusões sobre nós mesmos e, inversamente, olhar dentro de nós mesmos para descobrir algo a respeito do universo. Se construtores de navios querem projetar um tipo completamente novo de navio ou engenheiros espaciais um novo modelo de espaçonave, eles fazem mais do que apenas desenhar os planos no papel e então construir um navio do tamanho do Rainha Elizabeth ou um veículo espacial para levar homens à Lua. Primeiro eles usam um modelo ou uma simulação de computador para ter certeza de que o projeto funcionará realmente, como eles pensavam que iria.
O modelo é, assim, um microcosmo que pode ser testado e do qual os engenheiros podem descobrir algo acerca do projeto para o receptáculo proposto. Isto é, eles usam a lei de analogia; da mesma forma nós podemos usá-la. Por analogia ou correspondência, podemos penetrar no desconhecido e desenvolver faculdades que agora são apenas latentes.
A terceira proposição também diz que as almas individuais, por serem idênticas ao ofuscante Logos e serem basicamente expressões da Realidade Una, são como o Logos, sujeitas à Lei de periodicidade. O homem funciona de acordo com as mesmas leis e princípios que guiam o grande universo em volta dele.
Quando Édipo estava viajando para Tebas, investiu contra a Esfinge, uma criatura que era metade humana e metade leão e tinha o hábito de formular enigmas. E era seu hábito desagradável devorar, no mesmo momento, quem não conseguisse responder seu enigma. Assim, a Esfinge questionou Édipo: “O que anda sobre quatro pernas de manhã, duas pernas ao meio-dia e três pernas ao entardecer”. Sem um momento de hesitação, Édipo respondeu o enigma corretamente: “O homem, pois ele engatinha sobre quatro pernas na manhã da vida, caminha ereto sobre duas pernas ao meio-dia da vida e manca sobre duas pernas e uma bengala no entardecer da vida”. A Esfinge ficou tão agitada porque Édipo tinha tirado o melhor dela que se atirou de um alto penhasco e pereceu.
Em anos posteriores (de acordo com André Gide que interpretou o mito para os tempos modernos), Édipo disse a seus dois filhos como ele tinha adivinhado a resposta do enigma da Esfinge, quando outros tinham falhado: “Vocês devem entender, meus garotos, que no começo de sua jornada, cada um de nós encontra um monstro que o confronte com o enigma que pode impedi-lo de ir adiante. Embora para cada um de nós a Esfinge possa apresentar uma pergunta diferente, vocês devem persuadir a vocês mesmos de que a resposta é sempre a mesma. Sim, há somente uma resposta para todos os enigmas, porque a humanidade é o microcosmo e contém dentro dela mesma todas as perguntas que a vida pode formular e todas as respostas que nós podemos dar.
Ou, como diz Blavatsky em Ísis sem Véu, A trindade da Natureza é a fechadura da magia, a trindade do homem a chave que se ajusta a ela. Nós olhamos no espelho do homem e vemos, refletido de volta, o cosmo.
Finalmente, a terceira proposição diz que o processo mundial não é fortuito, mas com um propósito. A jornada na qual nos encontramos tem uma meta: é uma peregrinação — uma jornada para um destino espiritual por causa da saúde da alma. De acordo com alguns psicoterapeutas recentes, tais como V. Frankl, o maior problema que muitas pessoas enfrentam, hoje, é que lhes falta um senso de propósito. A terceira proposição assegura-nos que nossas vidas têm significado, propósito e direção; que nós estamos nos movendo deliberadamente em direção a uma meta — a redescoberta do que nós realmente somos. Devido ao princípio de analogia, mantemos dentro de nós mesmos o mapa que vamos seguir. E se nós o seguirmos, como T S. Eliot diz em Little Gidding: “...o final de toda nossa exploração será chegar onde nós começamos e conhecer o lugar pela primeira vez”.
Qual é a conseqüência prática da terceira proposição? Se podemos aprender algo a respeito do propósito da nossa existência, correlacionando-nos como universo, nós devemos assim fazer. Portanto, o terceiro objetivo da Sociedade Teosófica é “Investigar as leis não-explicadas da Natureza e os poderes latentes no homem”, pois estudar um é aprender alguma coisa do outro.
Pensa-se do terceiro objetivo como se referindo à percepção extra-sensorial e fenômenos paranormais de vários tipos. Nos primórdios da Sociedade Teosófica tais fenômenos representaram um grande papel. Helena Blavatsky e o Cel. Olcott encontraram-se numa sessão espírita enquanto que A. P. Sinnet, um dos mais proeminentes dos primeiros membros ingleses da Sociedade na Índia, foi atraído, principalmente, pelos notáveis poderes de Blavatsky. Ele queria promover a Sociedade através de tais maravilhas; entretanto, como o Mahatma K. H. escreveu para ele: “a Sociedade Teosófica é antes de tudo uma Fraternidade universal não uma Sociedade para fenômenos e ocultismo” (Cartas dos Mahatmas, número 138).
A primazia da fraternidade sobre as práticas ocultas dentro da Sociedade tinha sido clarificada logo cedo em 1881, de acordo com Old Diary Leaves, do Cel. Olcott (obra conhecida como A História da Sociedade Teosófica), e foi reafirmada no discurso inaugural de Radha Burnier, Presidenta Internacional da Sociedade Teosófica: “O trabalho da Sociedade não está relacionado com fenômenos e artes ocultas, embora interessantes fenômenos pertencentes ao mundo invisível possam ser para o psicólogo ou mesmo para o leigo. Eles são triviais na perspectiva do conhecimento necessário para regenerar a vida humana. Não é espiritismo, mas sim, espiritualidade que o mundo necessita, não artes ocultas, mas sim, ocultismo, também chamado gupta-vidyã (a doutrina secreta) e ãtma-vidyã (a verdadeira sabedoria)”.
As Leis mais importantes não-explicadas da Natureza são aquelas pelas quais o homem e todos os outros seres estão relacionados uns com os outros e os mais importantes poderes latentes no homem são aqueles pelos quais ele é capaz de compreender sua identidade fundamental com a Super Alma Universal.
Para realizar o terceiro objetivo, não se necessita sentar-se para o desenvolvimento como os espiritas dizem; não é necessário tornar-se um seguidor do Dr. Rhine em suas experiências em PES (Percepção Extra-Sensorial, N.T.); não se necessita, como um dos astronautas, praticar transferência de pensamento no espaço exterior. A técnica principal para investigar as leis não-explicadas da Natureza e os poderes latentes no homem é realizar nossa identidade fundamental com a Super Alma Universal — é a técnica da meditação.
A maneira mais efetiva de investigar as leis não-explicadas fora de nós e o potencial latente dentro de nós é praticar o controle da mente. Nossas mentes estão submetidas a um dualismo de sujeito e objeto; nós o sujeito, pensamos sobre objetos. O pensador e o objeto pensado são os dois elementos essenciais para a mente trabalhar. Mas, atrás dessa mente dualista existe uma consciência não-dual que é cônscia, mas sem um objeto externo ou sentido de “eu”. Quando a mente dualista torna-se quieta, a consciência não-dualista pode surgir. Para aquietar a mente, necessitamos centrar nossos pequenos eus no grande Eu que está ao redor e dentro de nós. Este centrar do eu e aquietar da mente é meditação. Dele provém um grande sentido de liberdade e alegria. Embora ao meditarmos nós digamos que contemos a mente, não há sentido de esforço. Meditar é, no jargão recente, estar “deitado de costas”, mas é também ser vitais, cônscios, participantes.
Meditação é tanto trabalho quanto relaxamento, recolhimento e participação, contenção e liberdade. O estado meditativo está cheio de contradições, que se deve esperar ao aventurar-se no não explicado e latente. A maior fronteira é o espaço dentro de nós. Ele é o panorama sobre o qual as “janelas mágicas” da teoria teosófica abrem-se; este é o território através do qual a prática teosófica nos convida a viajar em nossa peregrinação. A terceira proposição e o terceiro objetivo juntos implicam na meditação como um dos aspecto da vida teosófica.
Os fundamentos e o selo
Teosofia, então, é tanto teoria quanto prática. Os fundamentos de sua teoria são as três proposições fundamentais de A Doutrina Secreta. Os fundamentos de sua prática são os três objetivos da Sociedade que nos levam à uma vida tríplice de serviço, estudo e meditação. A teoria e a prática estão inter-relacionadas — cada uma das proposições implica em um dos objetivos. Tudo está simbolizado pelos triângulos no selo da Sociedade Teosófica.
O triângulo claro pode ser tomado para representar a teoria. O ponto de cima relaciona-se com a primeira proposição: há uma Realidade Absoluta. O ponto inferior direito relaciona-se com a segunda proposição: há ordem no universo revelado em ciclos. O ponto inferior esquerdo relaciona-se com a terceira proposição: cada alma individual é idêntica à Super-Alma: a humanidade cujo propósito é a peregrinação, é um microcosmo do universo.
Estas três proposições tratam, respectivamente, com Deus ou a Realidade Última, o Universo e o Homem. Em arranjos florais japoneses existem três elementos — um superior representando o céu, um horizontal representando a Terra e um elemento oblíquo, entre os outros dois representando o homem. O princípio no triângulo é o mesmo. Os três elementos representados no arranjo floral ou pelos três pontos do triângulo — Deus, o Universo e o Homem —constituem tudo o que existe. E assim nós superamos aquele físico que falou sobre ‘o universo e outros assuntos”; os “outros assuntos” são o Homem e Deus e nós tratamos com todos os três.
Se o triângulo claro representa a teoria, o triângulo escuro representa a prática. Seu ponto inferior ao primeiro objetivo: formar um núcleo da Fraternidade Universal. Seu ponto superior esquerdo relaciona-se ao estudo da religião, filosofia e ciência. Seu ponto superior direito relaciona-se à investigação das leis não-explicadas da Natureza e os poderes latentes no homem.
Religião, filosofia e ciência representam a sabedoria acumulada no passado, nossa herança intelectual dos eruditos, sábios e santos que existiram antes de nós. As leis não-explicadas e os poderes latentes são o que o futuro sustenta. Elas estão para serem explicadas e eles, para serem desenvolvidos doravante e serão nossos legados para as gerações que nos seguirem. A fraternidade é um fato; ela existe aqui e agora. Os teósofos não reivindicam formar a fraternidade — isso seria presunçoso e insensato. Eles mencionam somente formar um núcleo da fraternidade que já está no presente. Dessa forma, os três objetivos cobrem o passado do gênero humano, que nós estudamos; seu futuro, que nós formamos na meditação; seu presente, que nós servimos.
Finalmente, os triângulos estão entrelaçados, mostrando-nos que teoria e prática são interdependentes. Cada ponto está refletido no oposto. Assim, a Unidade Absoluta está refletida na fraternidade. E dessa reflexão nós podemos tirar uma importante conclusão: nós não estamos sós. Cada um de nós é parte de uma grande rede, conectando-se com todos os outros seres humanos e com todos os seres. Nós estamos unidos, indissoluvelmente, naquele estado de “transformando em um”, que é o universo.
E a ordem cíclica do universo está refletida na ciência, filosofia e religião — uma reflexão que nos lembra que há uma contínua Tradição-Sabedoria originando-se dos Guardiões da raça, preservada e transmitida por uma cadeia imensamente longa de estudantes e, finalmente, chegando até nós. A tradição interpreta todas as coisas analogicamente e, assim, dá uma percepção do desconhecido. No volume 1 do The Theosophist (outubro, 1879, pp.2-3), Blavatsky assinala que os antigos teósofos foram chamados analogistas devido “a seu método de interpretar todas as lendas sagradas, mitos simbólicos e mistérios por uma regra de analogia ou correspondência, de forma que eventos que tinham ocorrido no mundo externo fossem considerados como expressando operações e experiências da alma humana.”.
Desse modo, a analogia do universo e da humanidade e a tarefa de descobrir o propósito de ambos estão refletidas numa investigação das leis naturais não-explicadas e os poderes humanos latentes. Dessa reflexão, compreendemos que o mundo em torno de nós está carregado com significado. O livro da Natureza quer ser lido e é como se fosse um grande holograma.
Hologramas são lâminas fotográficas produzidas por luz coerente (por exemplo, um feixe de raio “laser”), e elas têm algumas propriedades notáveis, tais como a produção de uma imagem tridimensional quando o mesmo tipo de luz coerente é projetado sobre elas. Mas uma das mais incríveis de suas propriedades é que cada parte do holograma contém toda a Informação presente no todo. Se você quebra um holograma em duas partes iguais, cada metade produzirá a gravura original inteira. E se você o quebra em quatro, oito ou dezesseis partes, cada parte, mesmo que pequena, ainda projetará a gravura inteira. O todo está presente em cada parte. Cada pedaço está carregado com significado.
A Tradição-Sabedoria também é assim. Se, amanhã, através de alguma grande catástrofe, toda a Tradição venha a ser perdida ou esquecida exceto por uma simples idéia — tal como Karma — seria possível reconstruir o todo da Tradição daquela parte. É um exercício útil tomar uma tal idéia e seguir suas implicações para ver como o resto da Tradição surge dela. Mas, mesmo se a Tradição inteira fosse perdida, sem permanecer nem uma simples idéia, os seres humanos poderiam ainda olhar dentro deles próprios, dentro e além de suas próprias mentes e reconstruir a Tradição em todos os seus fundamentos. De um certo modo, isso é o que acontece com geração após geração de estudantes. Pois a tradição externa não é a Tradição real; ela é somente a mostra exterior. A Tradição real consiste das realidades internas, descobertas através da meditação, por cada pessoa por si mesma e para si mesma.
Assim, nas reflexões dos pontos dos triângulos entrelaçados, vemos três grandes verdades: nós não estamos sós; a Tradição-Sabedoria é contínua; todas as coisas estão carregadas de significado. Os triângulos entrelaçados formam uma estrela — ou é um lótus trazendo em seu centro uma jóia? O todo do lótus-estrela é a Teosofia — uma teoria sobre Deus o Homem e o Universo e uma prática envolvendo serviço, estudo e meditação. Esses são os fundamentos da Teosofia.
Publicado originalmente na revista The Theosophist, de maio de 1980.
Extraído da revista O Teosofista de janeiro/outubro de 1990.
Tradução: Pedro R. M. de Oliveira, MST Loja Dharrna, Porto Alegre, RS.
Revisão: lsmênia Maria Cavalcante Azambuja, MST Loja Fênix, Brasíha. DF.
quarta-feira, 13 de maio de 2009
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