quinta-feira, 14 de maio de 2009

Os Ideais da Teosofia – Annie Besant

Trinta e seis anos conta a Sociedade Teosófica, trinta e seis anos de bom e mau tempo. Não deixa pois de ser natural que se pergunte: "Que valor tem para o mundo essa Sociedade? O que pode ela fazer para o bem da humanidade? O que tem ela já feito nesse sentido?" Nestas quatro conferências não me proponho senão dizer algumas palavras casuais sobre a Teosofia como um grande movimento espiritual, como uma poderosa auxiliadora das religiões do mundo. Todos vós sabeis o que ela tem feito, detendo e fazendo recuar a onda do materialismo, e o que continua fazendo nesse sentido. Sabeis também o que ela tem feito no sentido da revivescência das religiões, da liberalização das ortodoxias do mundo, o auxílio que tem levado a vários países chamando-os a um conceito mais espiritual da religião. De todos os lados vemos que francamente se confessa que na revivescência dos sentimentos religiosos, que se nota tanto no Oriente como no Ocidente, a Teosofia tem tido um papel não só importante, mas capital. Aqueles que são inimigos de todas as religiões atacam-na, naturalmente, em especial pelo que ela tem feito neste sentido. Mas aqueles que amam a religião, mais e mais se têm convencido da utilidade da Teosofia.

Dessa parte do nosso trabalho, porém, que é tão conhecida, e tantas vezes tem sido descrita, não me proponho tratar agora. Desejo, antes, responder à pergunta: "O que tem a Teosofia a acrescentar à inspiração geral que emana de todas as grandes religiões? O que, de especialmente valioso, ela traz a este mundo? Que luz derrama ela sobre os problemas da vida, e de que modo os esclarece? Que inspiração utilizável e prática ela dá, ao mover os espíritos de homens e mulheres para servir à causa real dos seus semelhantes?"

Vou tentar mostrar-vos, nestas conferências, que os ideais, que são especificamente os Ideais da Sociedade Teosófica, têm um valor real mesmo no plano físico. Que nós não somos meros sonhadores, como alguns nos julgam; que nós nem sempre vivemos nos céus, ainda que ali subamos às vezes para de lá trazer a inspiração que nos guie para que melhor nos desempenhemos de nossa missão na terra. Vou tentar demonstrar que, mesmo do ponto de vista utilitário, a Teosofia pode justificar-se perante um mundo cético pelos Ideais que ergue, e pelo valor da aplicação prática desses ideais aos trabalhos da vida.

O que um Ideal Significa

Em primeiro lugar, o que queremos dizer com a palavra "Ideal"? Evidentemente que, antes de mais nada, um Ideal é uma idéia, um conceito construído pelo espírito. É esta a primeira parte da definição de um Ideal. Mas ele não é apenas um conceito ou uma idéia; pois que muitas idéias, passageiras, mutáveis, frívolas, constantemente estão atravessando o espírito humano, na sua constante atividade, e a estas não se pode dar o nome de Ideais. Para haver um Ideal é preciso haver mais alguma coisa do que uma idéia. O ponto seguinte, portanto, na definição, é que Ideal é uma idéia fixa, não um pensamento passageiro. É uma idéia que não muda, que não varia, que é fixa e estável, que exerce uma forte influência sobre o espírito. Eis, pois, a segunda parte da definição da palavra Ideal: um Ideal é uma idéia fixa.

Mas, além disso, um Ideal é uma idéia construtiva, uma idéia vitalizadora, e que, portanto, tem um efeito sobre o caráter. Um Ideal é uma idéia, não morta, mas viva, exercendo uma forte influência sobre a vida. De sorte que chegamos a conceber um Ideal como sendo uma idéia ou um conceito caracterizado pela fixidez e pelo seu poder construtivo do caráter.

Temos, porém, ainda um pouco a acrescentar à nossa definição, antes que percebamos totalmente o que um Ideal significa. Uma idéia falsa pode ser fixa - uma idéia fixa que não está em harmonia com os fatos e com a natureza das coisas. Uma destas idéias fixas produz o maníaco, mas não o Herói ou o Santo. De modo que temos que acrescentar um adjetivo a essa palavra "idéia". Tem de ser uma idéia verdadeira, uma idéia justa, uma idéia que esteja em harmonia com os fatos e de acordo com a verdade.

A idéia fixa, tal qual os psicólogos a conhecem, tem certas características. Já disse que ela pode produzir um maníaco; porque é característico de uma idéia fixa, no sentido vulgar da expressão, que ela domina o espírito e exclui as influências que se lhe opõem. É quase inútil argumentar contra ela. As influências usuais da vida, que atuam sobre o espírito humano, recuam ao bater de encontro à idéia fixa, do mesmo modo que as ondas recuam, quebradas ao bater de encontro a um rochedo. Por isso uma idéia destas pode ser um perigo e não um auxílio, um mal e não um bem. Mas, mesmo quando a idéia fixa seja boa e verdadeira, mais alguma coisa é preciso para que ela seja realmente um Ideal Teosófico. A idéia que é boa e verdadeira produz o Herói e produz o Santo; mas aquela que torna um homem um servidor útil da humanidade é uma idéia fixa que é boa e verdadeira, mas que ele possui, e não ela a ele. Não há aqui uma mera sutileza ou um simples jogo de palavras. Há uma profunda diferença, na evolução, entre uma idéia fixa dominar um indivíduo, e um indivíduo dominar uma idéia fixa. Lembram-se decerto, de que Patanjali, no seu Yoga Sutras, ao traçar os estágios da evolução intelectual, observa que o homem que está possuído por uma idéia fixa está perto da porta da Ioga. Sim: isto é verdade. É um sinal de evolução acima do vulgar, isto de uma idéia que seja uma inspiração nobre e verdadeira, possuir um homem a tal ponto que nenhum dos usuais argumentos mundanos pode fazer com que ele abandone a sua atitude; mas é sinal de uma evolução ainda mais alta quando a idéia nobre é possuída por ele como um instrumento, e não o possui como um dono. Uma idéia deve ser serva do Espírito, a fim de dominar a natureza inferior e coagi-la ao serviço da superior. Por isso Patanjali sabiamente traça a distinção, e aponta que a idéia
fixa possuindo um indivíduo o traz para perto da porta do Caminho; mas que é só quando o Indivíduo possui a idéia e não é possuído por ela que os seus pés podem transpor o limiar dessa porta.

Um Ideal é, pois, uma idéia fixa, justa ou verdadeira possuída pelo indivíduo, e a tal ponto viva que influencia o seu caráter. Este último ponto não deve nunca ser esquecido. Porque um Ideal que não vivemos torna-se um ídolo, e muitas vezes resulta ser um obstáculo em vez de um auxílio. Formar o caráter, inspirar o coração, iluminar o espírito, eis o valor de um Ideal. Temos que meditar num Ideal desses para que o possamos reproduzir dentro de nós. Porque o homem, como diz o Upanishad, é criado pelo pensamento e torna-se aquilo em que mais pensa. O pensamento forma o caráter, e a vida torna o pensamento fértil.

Fica, pois, feita a definição da palavra Ideal. Ora, quais são os Ideais da Teosofia?

A Importância da Liberdade de Pensamento

Há duas idéias-bases que parecem constituir a raiz de toda a nossa Sociedade. Qualquer destas idéias, se bem a compreendermos e a vivermos, tem sobre a vida um poder de elevação. Mal concebidas, ou postas de parte, atrofiam o nosso crescimento e prejudicam o nosso progresso. A primeira destas duas idéias sobre as quais a nossa Sociedade assenta, é a idéia da Liberdade Intelectual (9). É impossível exagerar o poder sem preço da razão, reflexo da Divina Sabedoria que vive no cérebro do homem. A liberdade de pensar, de usar da nossa razão ao máximo, de pôr em dúvida toda a proposição e todo o fato - com isto a razão cresce e a inteligência se expande. Só quando a inteligência existe em absoluta liberdade, pode o homem atingir a sua verdadeira grandeza como viva inteligência espiritual, sondar as profundezas do ser e realizar as suas possibilidades divinas.

Por que isso é tão necessário? Deveis lembrar-vos que há pouco houve quem dissesse - e disse-o, com certeza, antes de pensar no que dizia, e não depois - que o hinduísmo é contra a liberdade de pensamento. Eis uma idéia que é com certeza uma idéia falsa, uma idéia errada, que briga tanto com a história como com os fatos. No hinduísmo encontrareis escolas de filosofia tão diferentes entre si quanto é possível, e nem por isso deixam de ser consideradas "ortodoxas", que estão todas patentes ao estudo do espírito investigador e que em muitos pontos se contradizem umas às outras. O hinduísmo permitiu e fomentou a mais ampla liberdade de pensamento, e nunca tentou cortar as asas da Ave Divina que sobe até a luz do Sol da Verdade. A inteligência é como uma águia que sobe até o Sol, e a inteligência humana pode na verdade subir até onde quiser; nada tem o direito de impedir o seu vôo exceto a sua própria incapacidade de voar mais. Há coisas que a razão não pode abranger, mas aquelas que pode, consegue abranger, se quiser.

Compreendeis decerto por que foi que eu disse que uma das pedras em que se assenta a nossa Sociedade é a liberdade intelectual; a natureza humana. é tal que o conhecimento é a sua própria essência, e que quanto mais o homem investiga, mais se aproxima da verdade. O espírito de um homem, no mais alto sentido da palavra "espírito", só se sente satisfeito quando conseguiu abranger e assimilar a verdade. Por isso erram também aqueles que pensam que a verdade é uma coisa que se deve provar. Não é assim. A verdade não é uma coisa que se deve provar a um espírito cuja natureza é conhecer. Basta ser vista para ser aceita. Aqueles que não crêem não vêem a verdade, e não há crenças que abram os olhos a um cego.

Tudo o que é preciso para achar a verdade é um coração puro, uma inteligência ativa e uma vida limpa. São estas condições que têm de ser preenchidas por quantos queiram saber a verdade, a verdade que é Brahman, o Eterno. Ninguém tem o direito de impor condições para a procura da verdade, salvo aquelas que estão na própria natureza da coisa procurada, e são portanto as condições naturais e inevitáveis para se poder encontrá-la. De mais a mais a imposição de um credo pode formar hipócritas, mas nunca conhecedores da verdade. Às almas infantis é preciso dar instrução, e elas têm que ser ensinadas pelos adultos; esse ensinamento lhes é preciso. É este o lugar da religião dogmática. Mas esta instrução dada à alma infantil não é o conhecimento senão quando for assimilada. Na nossa sociedade, portanto, deixamos livre a procura da verdade, e o nosso laço, que nos une a todos, como dizemos em uma das nossas circulares, é, não uma crença comum, mas um desejo comum de encontrar a verdade e de vivê-la.

Ideais Inspiram Mais do que Mandamentos

A segunda grande idéia sobre a qual assenta a nossa Sociedade é que as emoções de um homem evoluído guiam-se melhor por Ideais inspiradores do que por códigos e leis. É esta a segunda pedra sobre a qual se ergue a nossa Sociedade. Há duas maneiras de ensinar moralidade. Uma diz: "Farás isto e não farás aquilo". Impõe mandamentos e proibições, e obriga por meio de penas à obediência a esses mandamentos. A outra ergue o Ideal de amor nobre e do sacrifício de si próprio, da pureza e do auxílio, e deixa que estes, pelo seu poder sobre o espírito, consigam que os homens imitem as vidas nobres e assim as realizem. A primeira é a maneira que forçosamente têm de empregar o Estado e todos os governos laicos; ao passo que a outra é a de toda verdadeira Religião, que leve um indivíduo a seguir uma vida espiritual. Porque a nossa Sociedade é uma Sociedade espiritual, e porque crê que o homem é fundamentalmente divino e não demoníaco, que a razão é um tesouro sem preço e não uma ilusão, que a inteligência precisa ser livre para poder investigar todos os assuntos, que o Belo, o Bom, o Verdadeiro basta serem vistos para serem amados, por isso dedicamos a nossa Sociedade à inspiração de grandes Ideais, e não à difusão de qualquer crença estreita ou estreito código de leis. Se um irmão cai, preferimos tirá-lo do atoleiro, ajudando-o a sair, a excluí-lo da Sociedade por indigno do nosso convívio.

São estas as pedras sobre as quais assenta a nossa Sociedade, e, enquanto sobre elas assentar, durará.

Os Ideais da Teosofia

Vejamos agora os Ideais que escolhi para nosso estudo nestas conferências. Três deles estão inclusos nos nossos três objetivos. O primeiro desses objetivos (10) oferece-nos ao ideal da Fraternidade Humana; e deste partem como corolários, a Reencarnação e o Carma, porque estes dois são como depois mostrarei, implícitos na idéia da Fraternidade Humana. O segundo objetivo (11) da Sociedade revela o Ideal da Tolerância. Por tolerância não se entende aquela atitude arrogante que diz: "Podeis pensar como quiserdes", com um desprezo fundamental pelo pensamento do outro indivíduo; mas aquela tolerância bem entendida que nasce do nosso reconhecimento do valor da fé e da crença de outrem, que estuda as várias mensagens do Divino ao mundo que as várias religiões nos revelam, uma tolerância que aumenta com o estudo comparado das religiões, onde aprendemos tanto a unidade como as divergências delas, e pela qual aprendemos a respeitar a alma de cada indivíduo e compreendê-lo como procurando o seu caminho para a verdade, no qual ninguém tem direito de intervir. O terceiro Ideal é a Ciência, o Verdadeiro Conhecimento, e a procura desta forma o terceiro objetivo (12) da nossa Sociedade. Trata-se de uma Ciência que inclui o lado superfísico, como o físico, da natureza, que tanto se ocupa de estudar os poderes latentes no homem e na parte oculta das coisas, como aquilo que a vulgar ciência moderna tem descoberto. Assim, três Ideais da nossa Sociedade de que tratarei são: (1) a Fraternidade; (2) a Tolerância; (3) o Conhecimento.

São estes três dos nossos Ideais, pertencentes a toda a nossa Sociedade. E há ainda um quarto Ideal, do qual também tratarei, seguido por alguns dos membros dela: eles procuram encontrar os Homens Perfeitos que são os tipos da Humanidade Divina. Estão absolutamente convencidos da Sua existência e prontos a seguir o Caminho que até Eles conduz. Este Ideal é a afirmação da natureza espiritual e portanto da perfectibilidade humana. Ele atrai de vários modos muita gente, e é talvez, para alguns, o mais sedutor de todos os nossos Ideais; o seu estudo é à parte da organização externa da Sociedade Teosófica; mas é também a missão da nossa Sociedade ensinar aqueles que desejem ser ensinados nos íntimos círculos do nosso movimento, a trilhar o caminho estreito e antigo que conduz aos pés dos Mestres.

São estes, pois, quatro dos grandes Ideais da nossa Sociedade, e traçá-los-ei um por um nestas conferências. Mas não se deve esquecer que nenhum deles, salvo o primeiro, é obrigatório para todos os nossos membros. Não há condição para o ingresso em nossa Sociedade salvo a aceitação do primeiro Ideal, a saber, a Fraternidade da Humanidade, sem distinção de crença, raça, sexo, casta ou cor. É esta a única condição para ser membro. Mesmo a crença nas doutrinas da Reencarnação e do Carma e na existência dos Mestres não é indispensável para se ingressar. Mas a Sociedade existe para espalhar estes ensinamentos através de quantos pelo estudo têm aprendido a aceitá-los. Temos a certeza de que a verdade convence, e enquanto procurarmos seguir a verdade, a Sociedade estará segura; tudo está e estará bem, desde que os seus membros estudem as grandes verdades da vida. E a Sociedade vive para espalhar e ensinar estes Ideais àqueles que estiverem dispostos a aprender, ou que os aceitarem. Mas se um indivíduo disser: "Não aceito estas doutrinas da Reencarnação e do Carma", nem por isso o seu lugar deixa de ser tão seguro entre nós como o daqueles que chegaram a um estágio onde estas verdades são fatos para eles.

De resto, a grande maioria daqueles que entram para a nossa Sociedade, mais cedo ou mais tarde aceitam estas verdades. E então se tornam aptos a aceitar também os Ideais que sobre elas se baseiam. Mas há uma grande diferença entre aceitar um Ideal, e aplicar esse Ideal às circunstâncias da vida quotidiana de um indivíduo. Deveis compreender bem que, ao aplicar os nossos Ideais à prática, estou falando apenas daquilo que me parece ser verdadeiro. Mas as minhas palavras não obrigam nenhum dos meus co-associados. Há tanta gente com o costume de se fazer eco de um orador, de refletir as opiniões dos outros, de seu jornal ou autor predileto, que tem dificuldade em acreditar que, numa Sociedade como a nossa, os membros podem ouvir as palavras de alguém que é considerado chefe, e contudo exercer o seu próprio critério para aceitar ou rejeitar o que esse chefe lhes diz. Consideram isso impossível. É porque muita gente esquece isto, e porque mesmo alguns dos nossos membros o esquecem, que torno a lembrar-vos que, conquanto o Ideal da Fraternidade nos obrigue a todos, o que eu penso quanto à aplicação desse Ideal à vida é a minha opinião do que deve ser a justa aplicação, e dessa opinião poderão discordar, e discordarão, muitos dos meus co-associados. Estou aqui para vos dizer o melhor que me é possível dizer-vos; mas é convosco, inteiramente, avaliar por vós do seu valor e seguir ou não o que digo, conforme melhor vos pareça.

A Vida Divina é a Raiz da Igualdade Humana

Com a Fraternidade muitas vezes se liga a idéia de igualdade humana. E num certo sentido essa igualdade existe. Porque o que é a raiz da verdadeira igualdade humana? É o fato de que a Divina vida una está em cada um de nós e em todos. Esse fato não se limita apenas ao homem. É verdadeiro também quanto ao animal, ao vegetal e ao mineral. Não há grão de pó em que a vida de Deus não esteja imanente. Não há altíssimo Deva em que essa mesma vida não esteja manifestada. Não há outra vida que não a Sua; não há outra consciência que não a Sua; não há outra Vontade que não a Sua; nem outro agente que não seja Ele. Há só uma vida, uma consciência e um poder, e são a vida, a consciência e o poder de Ishvara (Deus), que estão em tudo quanto Ele emanou. Eis a raiz da igualdade humana, e é esta a única espécie de igualdade que existe. Como os irmãos numa família são todos do mesmo pai e da mesma mãe, assim é a Fraternidade humana, e de tudo quanto vive num universo onde nada está morto. A vida humana é uma parte daquela Vida-Mãe de quem todos nós somos filhos.

A Fraternidade nas Diferenças: A Grande Família Humana

Eis, pois, a única igualdade verdadeira, a de que Deus vive por igual em tudo quanto existe. Todos têm oculta dentro de si a possibilidade de subir até a máxima perfeição; todos têm a certeza da perfeição final. Mas no decurso da evolução, na longa cadeia evolutiva da vida, eis onde surgem as desigualdades. É este um fato que freqüentes vezes esquecem aqueles que falam de igualdade. Reparai contudo ao vosso redor; transportai-vos em imaginação até a grande porta do nascimento, onde a multidão das almas se aglomera para tomar corpo em formas novas. Uma entra para uma forma saudável e forte; outra entra para uma forma poluída pelos germes da doença hereditária. Uma entra para uma forma de estatura nobre e esplendidamente talhada; outra para uma forma aleijada e tosca. Uma mostra as qualidades de um santo; outra as qualidades de um criminoso. Uma torna-se um filantropo; outra revela-se um bárbaro. Acaso estas almas são iguais? Desde o seu próprio nascimento elas trazem o cunho da desigualdade (13). Ah! De que nos serve iludirmo-nos com palavras vazias de sentido? De que serve dizer dos homens que eles nascem iguais, e falar de uma igualdade universal que a natureza nega? Há, com efeito, muita desigualdade social que podeis remover. Mas essa é muito menos importante. É a desigualdade natural que é muito mais grave. E a essa muitos esquecem, quando falam tanto de nações como de indivíduos. É a diferença de capacidades inatas que importa verdadeiramente (l4), e não a de posições sociais; é essa que separa uma nação de outra, um indivíduo de um outro indivíduo. Observais um homem a quem surge uma oportunidade, e ele passa por ela cegamente sem a ver. Um outro homem, quando uma dessas oportunidades lhe aparece, imediatamente se adianta a aproveitá-la, ou, se ela não se aproxima bastante dele, abre caminho até ela, até que a tem nas mãos. Ah! É aí que está a desigualdade que não há leis humanas que alterem, que não há condições sociais que evitem. Uma igualdade de oportunidades para todos (15) - talvez a possais conseguir num futuro muito distante; mas uma igualdade de capacidades para utilizá-las - isso nunca podereis conseguir. O poder de consegui-la não pertence aos homens de nenhuma geração. De modo que temos que olhar de frente o fato de que a Fraternidade não quer dizer igualdade, mas uma Fraternidade real de mais velhos e mais novos, uma grande família humana em que uns são muito mais velhos do que outros, e alguns muito novos, muito ignorantes, e muito imprudentes.

A Teosofia quer que tentemos compreender que muitas escolas são dadas pelo grande Mestre para a evolução das almas a que chamamos homens. As raças e sub-raças são c1asses nestas escolas; e assim notamos, como muito bem disse um orador numa das nossas assembléias anteriores, que as diferenças nacionais e as diferenças raciais são valiosas, e não são para se lamentar. Hoje se fala muito em internacionalismo, em ser-se cosmopolita e outras coisas assim. Mas só se pode ser verdadeira e utilmente cosmopolita depois de se terem aprendido as lições das diferentes nações do mundo. Só o Mestre é realmente cosmopolita, porque Ele nada mais tem a aprender, que a terra lhe possa ensinar. As vossas peculiaridades nacionais, as vossas particularidades raciais, são as lições pelas quais as almas aprendem, e pelas quais mais e mais evoluem à medida que o tempo passa. Não podemos abandonar essas diferenças, não podemos passar sem elas. Abandonai a noção de que uma sub-raça deva necessariamente ser superior à outra, por ter aparecido depois dela no tempo. Ouvimos alguns dizer: "Pois sim, mas a sub-raça teutônica deve estar muito acima da raça radical ariana, visto que é muito mais recente no tempo." Isto não é totalmente exato, porque a raça mais antiga também evoluiu enquanto as sub-raças mais modernas se desenvolveram. Todas têm atrás de si o mesmo espaço de tempo. Mas as sub-raças têm qualidades diferentes, e é nisso que está o seu valor - não simplesmente em que são mais recentes no tempo. Quem ousará dizer que a turaniana foi uma sub-raça mais nobre do que a tolteca, só por ter sido a quarta sub-raça, ao passo que a tolteca era a terceira? Diferenças por certo que existem, mas não necessariamente de superioridade e inferioridade. É, portanto, falso querer afirmar superioridade baseando-a num aparecimento mais recente. Do mesmo modo a quarta sub-raça da Raça Ariana, isto é, a grega, não é inferior à quinta sub-raça. Não tem ela a sua idéia de Beleza a dar ao mundo? A diferença entre a quarta e a quinta sub-raças é que, ao passo que a quarta sub-raça desenvolveu a emoção da beleza, na sub-raça teutônica vemos que evoluiu a mentalidade científica concreta. Quem dirá qual destas é a mais elevada? Será a Arte inferior à Ciência ou esta àquela? A verdade é que todos as principais características das sub-raças contribuem para a formação do Homem Perfeito, e que as sub-raças constituem a escola pela qual temos todos de passar, para que possamos desenvolver por igual todas as faces da nossa natureza. Todas estas raças e sub-raças são classes onde temos que aprender as nossas lições. De modo que nas diferenças destas raças e sub-raças nada há que impeça a Fraternidade. Algumas delas desenvolveram uma face da natureza humana, e outras outra. E só na união de todas se pode achar a perfeição humana. Mas para compreender a Fraternidade, temos que nos lembrar que a evolução procede por reencarnação sob a lei do carma. O indivíduo tem de passar por todas as classes, assimilando as suas qualidades, sem o que será um produto muito incompleto; quando tivermos todos aprendido as nossas lições, ternos-emos tornado dignos de imortalidade. Ora, vós, na vossa maioria, acreditais nessas duas grandes doutrinas, e nas vossas vidas individuais elas têm grande influência. Por que é que não as aplicais às nações, como aos indivíduos, aos problemas sociais, como ao auxílio do vosso desenvolvimento pessoal? À medida que as idéias da reencarnação e do carma fizerem caminho no mundo ocidental, que tem o hábito de pôr os princípios em prática, parece-me que veremos que este Ideal de Fraternidade sob a lei da reencarnação e do carma resolverá muitos dos problemas sob o peso dos quais o mundo ocidental hoje está gemendo.

NOTAS:

(9) LIBERDADE DE PENSAMENTO: "Como a Sociedade Teosófica espalhou-se amplamente pelo mundo, e como membros de todas as religiões tornaram-se filiados a ela sem renunciar aos dogmas, aos ensinamentos e às crenças especiais de suas respectivas fés, é considerado desejável enfatizar o fato de que não há nenhuma doutrina, nenhuma opinião, ensinada ou sustentada por quem quer que seja, que esteja de algum modo constrangendo qualquer membro da Sociedade, nenhuma que qualquer membro não seja livre para aceitar ou rejeitar. A aprovação dos seus três Objetivos é a única condição para a filiação. Nenhum escritor ou instrutor, a partir de H. P. Blavatsky, tem qualquer autoridade para impor seus ensinamentos ou suas opiniões sobre os associados. Cada membro tem igual direito de seguir qualquer escola de pensamento, mas não tem o direito de forçar qualquer outro membro a tal escolha. Nenhum candidato a qualquer cargo, nem qualquer votante, pode ser tornado inelegível para concorrer ou votar por causa de suas opiniões ou por sua filiação a qualquer escola de pensamento. Opiniões e crenças não concedem privilégios nem in1ligem penalidades. Os Membros do Conselho Geral solicitam seriamente que cada membro da Sociedade Teosófica mantenha, defenda e aja de acordo com estes princípios fundamentais da Sociedade e também exerça destemidamente seu próprio direito de liberdade de pensamento e de expressão, dentro dos limites da cortesia e da consideração para eom os demais." (Resolução aprovada pelo Conselho Geral da Sociedade Teosófica em 23 de dezembro de 1924 e modificada em 25 de dezembro de 1996). (N. ed. bras.)

(10) Formar um núcleo da Fraternidade Universal da Humanidade, sem distinção de raça, credo, sexo, casta ou cor. (N. ed. bras.).

(11) Encorajar o estudo de Religião comparada, Filosofia e Ciência. (N. ed.bras.)

(12) Investigar as leis não-explicadas da Natureza e os poderes latentes no homem. (N. ed. bras.).

(13) A Filosofia hindu explica as diferenças nos seres humanos a partir da Lei do Carma pela colheita do resultado de diferentes ações em vidas anteriores. A Tradição judaico-cristã apresenta semelhanças: "Tudo o que o homem semear, isso também colherá" (Gálatas 6:7); "Eu era um menino bom, dotado de uma boa alma, ou antes, como era bom, vim para um corpo sem mácula". (Sabedoria 8: 19-20). (N. ed. bras.).

(14) As diferenças de capacidade ou dons estão indicadas na tradição cristã pela relação de harmonia do Senhor com os seus servos, como uma expressão da Lei do Carma, na parábola dos talentos: "E a um deu cem talentos, e a outro dois, e a outro um, a cada um segundo a sua capacidade ... " (Mateus 25: 15). (N. ed. bras.)

(15) Este é, portanto, um ideal que qualquer governo deve buscar em todas as áreas e também deve ser abrangido numa rigorosa proporcional idade em qualquer sistema eleitoral, como aquele considerado pelo Sr. N. Sri Ram, ao comentar a proposta da autora. (Vide Apêndice II, nota 55 e 61). (N. ed. bras.).

FONTE: Excerto do Capítulo I do livro “Os Ideais da Teosofia”, de Annie Besant (1847-1933), 2ª Presidente Internacional da Sociedade Teosófica, publicado no Brasil pela Editora Teosófica, em fevereiro de 2001. O livro consiste de quatro conferências proferidas pela autora nos dias 27, 28, 29 e 30 de dezembro de 1911, durante a 36ª Convenção Anual da Sociedade Teosófica, realizada em Benares, Índia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário