quarta-feira, 13 de maio de 2009

Sabedoria Antiga e Visão Moderna - Shirley Nicholson

"O reto pensamento é uma boa coisa, mas o pensamento solitário pouco vale; precisará ser traduzido em ação." (Helena P. Blavatsky)

A Tradição Viva

Para a maioria de nós surge a ocasião em que começamos a questionar o valor de nossas vidas, de nossas atividades e reali­zações, e até mesmo de nós próprios. Isto pode ser um sentimento momentâneo que repelimos como sendo meramente mau humor, ou poderá representar um exame prolongado e sério. Mas se re­servamos algum tempo para analisar as nossas vidas, nossos pensamentos habituais e sentimentos, olhando-os objetivamente, a maioria de nós sentirá algum grau de insatisfação de que algo está faltando, que deve haver algo mais. Tais momentos desconcer­tantes de questionamentos freqüentemente dão origem a um des­contentamento divino, uma ânsia por algo mais, algo que nos forneça o ímpeto para descobrirmos novas dimensões da vida. A incerteza, até mesmo o desespero, podem nos abalar, conduzin­do-nos na direção de uma nova maneira, um novo caminho, uma busca de significado. Einstein sentiu algo neste sentido quando repentinamente vislumbrou a imensidão do universo:

“O indivíduo percebe a futilidade dos desejos e propó­sitos humanos e a grandeza e maravilhosa ordem que se revelam tanto na natureza como no mundo dos pen­samentos. A existência individual deixa uma sensação de aprisionamento e a pessoa deseja vivenciar o uni­verso como um todo significativo e único. É este o começo do sentimento religioso cósmico.”1

Podemos começar a nossa busca da religião cósmica, do nosso lugar no todo, lendo bastante e examinando muitas novas idéias e pontos de vista, ou a nossa busca poderá conduzir-nos à exploração interior, para descobrirmos camadas novas e mais pro­fundas de nossa própria consciência através da meditação e auto-exame. Buscando externa ou internamente, poderemos provavel­mente encontrar verdades antigas que foram reveladas por aqueles que vêm buscando através dos séculos. Podemos ser atraídos para uma visão filosófica que tem acompanhado a humanidade desde tempos imemoriais, uma visão que indicou o caminho para o cres­cimento e perfeição humana.

A Sabedoria Antiga

De acordo com os ensinamentos teosóficos, alguns videntes e sábios, gênios da vida interior, mantiveram vivo este ensina­mento secreto, revelando-o em vários pontos da terra, em interva­los de tempo que abrangem todo o decurso da história. Esta visão do homem e do seu lugar em todas as coisas foi denominada Filosofia Esotérica, a Filosofia Perene, a tradição primordial, a Sabe­doria Antiga, Teosofia.

Este conjunto de idéias é denominado esotérico porque preocupa-se com aquilo que está oculto, desconhecido. Abrange a estrutura mais profunda do homem, velada na parte inconsciente de sua natureza, e os processos e leis invisíveis subjacentes àqui­lo que é óbvio para os sentidos. A filosofia esotérica autêntica não se preocupa com o misterioso ou fantástico, embora possa prover uma base lógica para tais eventos. O seu foco primordial está nas leis universais que governam a evolução humana e todos os fenômenos naturais, os princípios subjacentes ao universo visível.

Tempos houve em que a Sabedoria Antiga foi ensinada ape­nas secretamente a um círculo interno daqueles poucos que bus­cavam verdades mais profundas. Embora os seus ensinamentos aflorem às mentes imbuídas da busca sincera, pouco significado têm para a mente superficial. A filosofia esotérica revela uma visão da realidade que ultrapassa aparências superficiais, pene­trando em suas profundezas numênicas. O pesquisador esotérico autêntico conhece a Natureza como um todo vasto e orgânico, do qual o mundo físico constitui apenas o véu ou a cortina visível. Percebe que os reinos invisíveis contêm os elementos causais de toda a existência, produzindo na esfera exterior aquilo que pode ser percebido pelos sentidos. Assim, a sua visão está aberta a am­plos domínios que ultrapassam o mundo físico.

A compreensão da Sabedoria Antiga, que foi denominada “o sopro libertador da realidade”, abrange níveis mais profundos do que apenas a cognição mental. As palavras e os ensinamentos verbais podem apontar o caminho para as doutrinas ocultas, mas a compreensão autêntica só pode ser obtida através da experiência e vivência. Alguns adeptos genuínos — corno Jesus, Buda, Platão, Lao Tzu e Pitágoras — revelaram os ensinamentos secretos através das idades. Aqueles sábios eram portadores da Sabedoria e a exteriorizaram em suas vidas. A vida e filosofia eram para eles algo único; mostraram que a busca da sabedoria mais profunda precisa acompanhar pari passu uma vida íntegra e ética. Esta espécie de compreensão não pode ser adquirida apenas num nível intelectual. Terá de envolver a pessoa como um todo, em todos os níveis do seu ser. Por exemplo, nas escolas de mistérios gregas, como a de Pitágoras, a matemática era ensinada como disciplina espiritual no contexto de sua cosmologia, como a Música das Esferas, apenas para aqueles que se qualificavam intelectual e moralmente. As­sim, a ciência, religião e filosofia estiveram tinidas reciprocamen­te e com a moralidade.

Outras escolas de mistérios, como a de Eleusis, propiciaram a participação direta em eventos dramatizados, visando invocar a realização de um ensinamento secreto. As iniciações tinham por objetivo fomentar o discernimento dos investigadores da verdade. Os maçons e alquimistas, juntamente com muitas outras escolas esotéricas através das idades, ofereciam treinamento para desper­tar a visão interna. Pitágoras, Platão, Roger Bacon, Kepler, Leo­nardo da Vinci, Nicolau de Cusa e Leibnitz estavam entre aqueles considerados como tendo pertencido a uma escola esotérica.

Houve ocasiões que as doutrinas teosóficas eram ensina­das de forma aberta e pública. Os antigos ensinamentos hindus, registrados nos Upanishads, eram originalmente secretos3. Con­tudo, o tema central encontrado nesses ensinamentos tem sido re­petido em várias obras exotéricas. Por exemplo, Tat tvam asi (Tu és Aquilo), que proclama ser a essência mais recôndita do homem una com o Ser divino, ou Brahman, é idêntica à máxima gnóstica, “Tu és Eu e eu sou Tu”. Este discernimento da conexão oculta do homem com a Base transcendental de todas as coisas apareceu em muitas outras filosofias e religiões, como o Taoísmo e o Neo­platonismo, e mesmo no Budismo se encontram referências a ele, embora de forma menos explícita. O esoterismo sustenta que o atingimento direto desta verdade constitui a realização de nível mais elevado.

Motivos Recorrentes

A polaridade fundamental entre a divindade e o mundo exte­rior condicionado constitui outra área de realização direta para o investigador esotérico. Esta compreensão de aspectos duais tanto do homem como da natureza aparece no Hinduísmo como os pólos de Brahman e maya, o mundo ilusório, no Budismo como nirvana e samsara, no Cristianismo como o contraste entre o di­vino e a natureza humana, no Shamanismo como o Supremo Deus Céu e o mundo que iria para depois dele afastar-se.

A polaridade e a unidade de tudo com o divino são apenas dois exemplos dos inúmeros motivos recorrentes, encontrados na sabedoria coletiva do mundo. Os fundadores de todas as grandes religiões ensinaram alguns aspectos da Sabedoria Antiga, e seus vestígios permanecem no coração de todas as religiões vivas, muito embora freqüentemente soterrados por interpretações falhas que se acumularam durante os séculos. Um conhecimento da tra­dição esotérica poderá tornar qualquer religião mais significativa e compreensível. Frithjof Schuon, autoridade em estudos religio­sos, esclarece, em sua original obra The Transcendent Unity of Religions (A Unidade Transcendental das Religiões), que a ver­dade religiosa não pode ter apenas uma única expressão, com a exclusão de outras. Para Schuon, uma afirmação dogmática, que não admite outra forma de expressão, é como um ponto em um círculo; não alcança a plenitude da verdade.

O ensinamento interno tem sido comparado a um fio doura­do a atravessar o tapete da religião e da filosofia. Jacob Needleman, que percebe a filosofia como algo vivo e importante na atualidade, indicou a existência de “uma corrente antiga de grandes idéias, que levam a um despertar”. Estas idéias recor­rentes apareceram sob diferentes formas e em diferentes épocas através dos séculos, expressando-se através de muitas aparências culturais. A verdade viva não pode ser estática e deve ser vista sob um novo prisma na medida em que se relaciona com cada no­va era. Não obstante, os ensinamentos esotéricos através da histó­ria possuem notável semelhança. Como reconhece a professora de filosofia, Renée Weber, existe uma única tradição, um núcleo universal de conhecimento subjacente a suas inúmeras ex­pressões que estão “unidas por uma intencionalidade comum, uma visão integral do homem e do mundo”. Embora oriundos de tempos e lugares imemoriais, esses ensinamentos destacam deter­minados princípios e leis básicos que são universais. Eles formam um sistema holístico que mescla a ciência, filosofia e religião, como no passado estiveram unidas na Grécia Antiga e no Oriente. A teosofia aponta o caminho antigo e estreito para que o homem possa revelar o mistério de sua natureza interna e desenvolver es­tados de consciência mais elevados e nobres.

A Doutrina Secreta

Helena Petrovna Blavatsky, a instrutora de maior discernimento e compreensão da filosofia esotérica em tempos modernos, expressou e desenvolveu os princípios básicos da teosofia no fim do século 19 em sua obra exponencial A Doutrina Secreta. Na­quela obra, Blavatsky cita fontes e sábios de todas as épocas, bem como pensadores contemporâneos. Referiu-se a essa filosofia pe­rene como “a Sabedoria acumulada das idades” e enfatizou as suas inúmeras fontes: “O sistema....não é uma fantasia de um ou vários indivíduos isolados....constitui um registro ininterrupto, abrangendo milhares de gerações de iniciados.”7 Ela esclareceu não ter inventado a teosofia, mas apenas reuniu os fios, integran­do-os em um todo harmonioso, fornecendo, em suas palavras, o cordão para o buquê. Afirmou ainda que as concepções básicas de A Doutrina Secreta estão, na realidade, contidas — embora muitas vezes sob um disfarce enganoso — em todos os sistemas de pensamento ou filosofia dignos do nome5. Blavatsky declarou ainda que:

“Em todas as idades, em quaisquer condições de civi­lização e conhecimento são encontrados os ecos mais ou menos fidedignos de um sistema idêntico e suas tradições fundamentais; assim, muitas correntes do mesmo rio devem ter tido uma Fonte comum da qual surgiram.”3

O seu trabalho constituí a base para a proliferação de ensi­namentos esotéricos, tão populares hoje em dia. Embora publica­da aproximadamente há cem anos, A Doutrina Secreta continua a ser a fonte principal dos conceitos e princípios que compõem a Sabedoria Antiga. Nessa obra, os princípios fundamentais estão mesclados com a tradição esotérica. Mas, diferente de muitos es­critores de época posterior, H. P. Blavatsky sempre enfatizou e retomou às proposições universais que são subjacentes e gover­nam o universo. Ela revelou um sistema abrangente de princípios interligados, uma metafísica que constitui o fundamento do mun­do manifestado. Ela enfatizou, por exemplo, os ciclos como um princípio em lugar da reencarnação, que é um caso particular da lei maior, e repetidamente destacou a evolução como realidade onipresente que engloba as especificidades dos vários estágios de desenvolvimento. Esboçou um grande quadro, mostrando-nos o grande desígnio subjacente ao nosso mundo da experiência. Es­critores posteriores tendem a inserir detalhes e a descrever os me­canismos envolvidos na expressão dos princípios.

Princípios como Realidades Vivas

Os pontos essenciais são mais acessíveis e de mais fácil cor­roboração em nossa própria experiência do que os ensinamentos mais detalhados sobre mundos suprafísicos. Grande parte da informação esotérica atualmente disponível baseia-se em investi­gações realizadas por pesquisadores renomados, com sensibilida­de supernormal, nos reinos invisíveis da natureza. As informações deste tipo baseiam-se na autoridade dessas pessoas. Os princípios, contudo, podem tornar-se evidentes a todos aqueles que buscam na direção certa, pois a compreensão dos princípios não depende de qualquer habilidade especial, a não ser aquela do discernimen­to intuitivo que pode ser cultivado através do estudo e da con­templação.

Os fundamentos da metafísica teosófica não constituem abs­trações distantes e sem efeitos sobre nossas vidas. Ao invés disso, estão todos atuantes ao nosso redor e dentro de nós, aqui e agora. São como a gravidade que, embora invisível, determina a nature­za do mundo físico. Tudo que fazemos está totalmente permeado pela atração da gravidade. Todos os nossos passos e movimentos, cada objeto que usamos, tudo que construímos ou levantamos está sob o domínio deste princípio. Não obstante, por ser tão abarcan­te e onipresente, geralmente estamos inconscientes do poder de sua influência. Os grandes princípios da teosofia — unidade, pola­ridade, ciclos, ordem, evolução — também estão constantemente exercendo sua influência irresistível em nosso mundo. Nas pala­vras de um teósofo contemporâneo: “As doutrinas teosóficas, os teoremas das tradições esotéricas, não são abstrações além do al­cance da maioria das pessoas....mas são tão imediatas e reais co­mo o nosso próximo alento ou passo no caminho.”

Este conhecimento tem reaparecido parcialmente ao longo da história porque foi sempre transmitido de mestre para discípulo através de ensinamentos orais e iniciações nos seus mistérios. Mas o conhecimento também é mantido vivo por constituir verda­de insofismável para aqueles que desvendaram sozinhos os segre­dos da Natureza. Como disse um grande sábio em certa ocasião: “Estas teorias representam fatos inatacáveis para aqueles que sa­bem.” Como nas antigas escolas de mistérios, estas idéias me­tafísicas, expressas na teosofia moderna, não foram concebidas para serem estudadas apenas com o intelecto e serem aceitas co­mo postulados da fé. Isto pode ser um começo, mas o conheci­mento que permanece em níveis intelectuais tem pouco efeito so­bre o mundo ou sobre o indivíduo. A crença sem conhecimento pode degenerar em dogma. Esses ensinamentos destinam-se a ser transformados de teorias em realidades vivas que permeiem todas as nossas atitudes e governem nossa vida. Nas palavras de H.P.H. (como passou a ser conhecida) sobre as Estâncias de Dzyan, que compõem a base de A Doutrina Secreto, ‘... todas estas Estâncias são dirigidas às faculdades internas, em vez de se destinarem à compreensão comum por parte do cérebro físico.”1 A profunda contemplação dos princípios universais e a maneira como são in­terligados podem despertar faculdades ainda mais profundas do que a compreensão comum — a mente superior e a faculdade intui­tiva da percepção direta e imediata. Este é um processo natural, por meio do qual o conhecimento é transformado em experiência, a erudição é transformada em “sabedoria da alma”, nas palavras de H.P.B., na qual as idéias são iluminadas por uma espécie de verdade viva. O resultado é “conhecimento orgânico baseado na visão, em oposição à teoria alcançada pelos meandros do raciocí­nio’’.2

A fonte desta nova dimensão da compreensão está latente em cada um de nós. Podemos conhecer os paradigmas universais, a unidade subjacente a toda vida, pois tal conhecimento já está em nosso interior, esperando sua atualização. Nas palavras de Krishna Prem, um comentador do século XX de A Doutrina Secreta, a filosofia subjacente das Estâncias, o Cita, os Vedas “de­riva sua autoridade....de sua própria verdade inerente como uma descrição e guia para a vida interna, uma verdade que é compro­vada e assegurada exclusivamente pelos nossos próprios co­rações”.13 É possível encontrar um nível em nosso interior, onde a teosofia é realidade e permitir que as suas implicações per­meiem as nossas mentes, de modo que as nossas vidas passem a expressar os seus princípios.

Para muitos de nós no mundo ocidental, o primeiro passo será intelectual. Primeiramente, podemos estudar, ler, assistir pa­lestras, debater, na medida em que consideramos e tentamos com­preender as idéias teosóficas. Posteriormente, se formos sérios em nossa busca, esta consideração mental deverá iniciar um processo em nosso interior. Começamos a meditar sobre idéias que domi­namos intelectualmente e “compreendê-las na mente,” como disse H.P.B. Em níveis mais profundos de compreensão, despontará determinada espécie de certeza. Na obra The Transcendent Unity Qf Religions, Schuon descreve um estado em que não mais questio­namos a validade de uma idéia ou procuramos sua comprovação. Tampouco acreditamos simplesmente ou nos baseamos na con­vicção intelectual. Ao invés disso, conhecemos a sua verdade em nós mesmos; temos a “evidência direta....que implica certeza abso­luta.”

Na medida em que cresce a nossa compreensão, começamos lentamente a olhar o mundo a partir da perspectiva teosófica, a ver os seus princípios operando sob a superfície das coisas, en­contrando evidência de ciclos, evolução, planos mais elevados — tudo ao nosso redor. Com clareza cada vez maior, podemos também vislumbrar modos através dos quais estas idéias se relacionam com as nossas vidas diárias. Podem, também, começar a refletir-se nas nossas emoções, sob a forma de novos níveis de amor e de compaixão e do desejo de servir. Assim, baseamos estes princípios na experiência e na nossa vida interna, de modo que nos afetam em todos os níveis. Na medida em que este pro­cesso se aprofunda, verificamos que a nossa atitude para com a vida está mudando. Podemos adquirir maior capacidade de afas­tamento das limitações de nossa situação imediata e ver o seu sig­nificado a partir de uma perspectiva mais ampla, desde uma visão de alcance mais longo, na medida em que consideramos objetivos maiores. Assim, este processo de transformar idéias em experiên­cias envolve todo o nosso ser. O que começa como compreensão intelectual transforma-se em discernimento intuitivo e se torna embasado na praticidade. As nossas faculdades em todos os ní­veis se focalizam na busca e ficamos envolvidos em um processo interminável de crescimento, continuamente criativo e novo, que continuará ano após ano. Descobrimos, por nós próprios, que um verdadeiro encontro do eu com a visão esotérica encerra em si o poder de nos transformar.

Excerto da Introdução do livro “Sabedoria Antiga e Visão Moderna” de Shirley Nicholson, publicado no Brasil pela Editora Teosófica.

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